I - SANGUE NA NEVE

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Frio. A única coisa que o pobre mendigo conseguia sentir naquela noite de inverno; nem mesmo nos arredores existia alguma chama ou fogueira acessa para se aproveitar e assim esquentar seu corpo. As noites de inverno eram muito perigosas dentro da cidade até mesmo para os Cavaleiros da Patrulha, roubos, assassinatos e ataques eram reportados frequentemente, fazendo se espalhar boatos sobre oque estaria acontecendo de tão sinistro para que até eles não pudessem estar contendo.

O maltrapilho tinha apenas um pedaço miserável de carne salgada e fria para comer, mas mordia cada pedaço como se fosse o ultimo, saboreando como se fosse a melhor costela servida apenas para a realeza. Não sabia quanto tempo iria conseguir sobreviver por ali, mas sempre fora assim, todo dia sendo vivido sem desperdícios ou lamentos. Era uma grande batalha para perdurar, já que quase ninguém no Reino respeitava ou ajudava os mendigos, muitas vezes até os maltratando.

Claro que existiam algumas exceções, mas eram pouquíssimos os que doassem algum dinheiro, comprassem comida e lhes regalassem roupas velhas para não morrer de fome e frio. Nenhuma cidade gostava de ter mendigos em suas ruas. Muitos jovens se aproveitavam e espancavam os mesmos, porém este mendigo não tinha medo disso; nunca ninguém conseguiu tocar, machucar ou mesmo o amedrontar, pois ele sabia se defender. E muito bem.

Seja por falta de dinheiro, abandono ou por falta de oportunidades, todos tiveram sua história para contar e ainda possuem uma vida para descobrir. Esse era o caso de Saric. Sua vida não fora repleta de fortunas e oportunidades ao seu redor, mas ele não era qualquer pessoa como a sociedade o via, ele teve seu passado. Seu pai era Milenov, um fazendeiro que morava um pouco distante da cidade e trabalhava cuidando dos gados que eram vendidos nesta. Nunca havia conhecido sua mãe; seu pai sempre lhe disse que ela era uma prostituta que morreu dando a luz a ele.

Felizmente Milenov sabia empunhar uma espada e desde quando Saric consegue se lembrar ele aprendeu a manuseá-la, Saric não era alguém excepcional, ou pelo menos não se considerava já que nunca enfrentou muitas pessoas, mas seu pai sempre lhe ensinou o básico necessário para ele conseguir se defender seja de quem for. Até o dia que seu pai morreu após pegar uma perigosa gripe, não tinha nada para seu filho herdar, nem mesmo as terras onde eles moravam, já que elas haviam sido doadas para o pai de Saric em troca do trabalho para o Lorde de Ironstand, Saric tinha apenas quatorze anos quando sua casa foi tomada. Por isso sem terras, sem família e sem dinheiro, Saric virou um mendigo na Capital das Terras da Neblina, Alta névoa.

Alguém conhecia esta história? Talvez ninguém. Assim eram tratados todos eles. Saric não tinha raiva do Lorde da Cidade, dos Cavaleiros da Patrulha, da realeza e nem das pessoas a sua volta. Ele não conseguia sentir nada, nem raiva, tristeza ou felicidade. Era um miserável, uma vítima do que acontecia, e ele achava toda essa situação um quanto irônica. O Imperador Vaeres deve ter comida de sobra em momentos como esse, as sobras devem ser jogadas para seus cavalos comerem, pensava Saric enquanto os mendigos, como ele e até mesmo a grande parte da população tinham que optar entre roubar ou morrer por conta de não ter o que comer. Esta era a realidade com que eram obrigados a viver. O tempo estava duro nas Terras da Neblina, ainda mais agora que o inverno tinha chego.

O pouco que Saric conseguiu aprender sobre o Império e sobre as regiões e pequenos reinos fora graças a seu pai, Saric sabia que o continente era divido por regiões, cada região possuía um Lorde Supremo para supervisionar aquela região, sendo o responsável por manter a paz e usar o poder e influencia do Imperador em suas terras.

Por gerações e gerações os Lordes Supremos se mantiveram os mesmos, mas nem sempre foi assim, Saric se lembra sobre as histórias da Unificação que seu pai lhe contava antes de dormir, sobre os primeiros dias da guerra e do inicio do que se tornaria o Império. Grandes casas, anciãs e nobres caíram para outras famílias por conta de guerras, sendo extintas com toda uma história apenas sendo deixada para o vento. Um exemplo é a queda da lendária e sombria Casa Skull para Adnar Cayne, o melhor amigo de Daemon Staryon, o Unificador. Adnar era um ninguém que deu sorte de ser amigo de quem se tornaria o Primeiro Imperador. Seu pai lhe contou que Adnar ganhou do último Rei da Caveira em um duelo, como recompensa Daemon o subiu ao posto de nobre, presenteando-o com o Forte Quebra (Breakfort), como era chamado o castelo. Saric nunca foi de acreditar em rumores e lendas, mas alguns sobre a Casa Skull e a Casa Cayne foram responsáveis por inúmeras noites perdidas devido a pesadelos que Saric tinha quando criança.

O Escudeiro de Lugar Nenhum - Os Contos de Saric, o MendigoWhere stories live. Discover now