O Culto do Ouro

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Carol sempre foi mais bem-sucedida que eu.

Aos quinze anos teve a melhor festa do mundo, com direito a violinista particular e tudo. Aos dezoito já tinha um carro. Aos vinte, morava sem os pais. Aos vinte e quatro já tinha se formado numa das faculdades mais caras que eu conhecia. E eu, na mesma idade, continuava enviando currículos desesperadamente em busca de um emprego.

Eu já estava prestes a entrar em outra onda de depressão, quando ela me convidou para a despedida de solteira.

Ia se casar com um cara tão rico e lindo quanto ela. Apesar de sermos amigas de infância, eu jamais tinha ouvido falar dele antes de receber o convite. O casamento foi total surpresa pra mim. Talvez já não fôssemos tão amigas quanto antigamente, ou talvez eu só estivesse deprimida demais para prestar atenção em qualquer coisa que não fosse meu desespero.

De qualquer maneira, fui à despedida, sem imaginar que também seria uma despedida para minha velha vida.

- E aí, como vão as coisas? – ela me perguntou, animada, os dentes reluzindo de brancura e frescor.

- Bem. – respondi sem convicção, mantendo o rosto perto da mesa para que ela não visse que eu estava sem maquiagem alguma e com olheiras gigantescas.

- Fala a verdade, amiga! Você anda tão diferente, tão quieta!

- Só estou meio desanimada. As coisas pra mim parecem não dar tão certo quanto pra você.

Eu remexia o guarda-chuva de papel do coquetel de frutas, tão colorido e bonito. Não queria parecer invejosa, mas não pude evitar. Tantos anos lado a lado, e a vida de Carol parecia ter todo o brilho e cor que a minha não tinha. Era como se sua presença sugasse a pouca felicidade que eu podia ter, e manter a amizade estava ficando cada vez mais difícil para mim. Quanto mais perto de sua exuberância eu ficava, mais vazia eu me sentia.

- Qual é o seu segredo? – perguntei por fim, desistindo de ser simpática para lançar todo meu amargor sobre ela.

- Meu segredo? – ela riu com sua risadinha de anjo – Ah, nada demais. Eu só coloco tudo nas mãos de Deus, sabe? Ele cuida de todas as coisas.

Apoiei os cotovelos na mesa, sem acreditar no rumo da conversa.

Carol sempre foi tudo, menos religiosa.

- Você virou crente ou algo do tipo?

- Crente? Não! – riu novamente – Isso é só o círculo externo. Essa palavra não define bem o que nós somos.

- Nós? O que você é agora? Algum tipo de líder?

- Não, eu ainda não sou líder. Sou apenas um membro por enquanto.

- Membro do quê? Algum tipo de grupo pentecostal?

- Aqui não é um bom lugar pra falar sobre isso. – ela cochichou, mexendo nas pulseiras de metal que trazia no braço e tilintavam sempre que agitava as mãos – Mas eu posso te explicar melhor mais tarde, se quiser.

O "mais tarde" foi duas semanas depois, no final da festa de casamento. Carol beliscava cuidadosamente seu pedaço de bolo para não sujar o vestido perolado, nem a maquiagem profissional que deixava suas bochechas coradas como se estivesse com vergonha de perder a virgindade que há muito não tinha. Estávamos num canto afastado do salão, já vazio e com funcionários retirando pratos e copos sujos. O marido? Não faço ideia de onde estava.

- Nós somos uma associação filantrópica. – ela dizia, seu garfo desfiando pedaços da massa branca – Um tipo de sociedade dentro da sociedade. Nós nos ajudamos mutuamente, de modo que nenhum membro passe necessidade. É bem legal.

O Culto do OuroWhere stories live. Discover now