I - A Cadela Tola de Ipanema

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   O Sol ainda nasce dourado no horizonte e morre dourado na minha janela embaçada, era a janela da minha avó e agora me pertence. Meus pais morreram quando eu era bebê, nunca cheguei a conhecê-los, morreram em um acidente de carro na Europa, a única coisa que herdei deles foram os olhos verdes do meu pai e o cabelo negro da minha mãe.
 
  Eu cheguei a morar aqui durante um curto período, mas fui levada a casa dos meus tios em São Paulo com quatro anos, minha avó ficou muito doente, câncer eu acho, logo não teve condições de continuar criando uma criança e veio a falecer alguns anos depois, ela me deixou esse apartamento velho e démodé, abandonado em Ipanema, porém de frente para o mar

   Eu até gostaria de aproveitar o final do verão, entretanto não consigo me imaginar semi-nua e com a bunda para o alto, esbanjando a confiança das bronzeadas garotas de minha idade e com o pique delas! Não sou de praia, mas o apartamento é gelado  e eu suspeito que seja culpa do piso de mármore e esse calafrio constante faz a praia parecer tentadora!

  O apartamento possui três quartos, o principal era o da minha avó, era uma suite enorme, tinha uma cama colonial no centro, as paredes eram vermelhas e intensas, com vários porta retratos com fotos das viagens dela pelo mundo e no centro estava um quadro coberto por tecidos, ainda bem, se tem uma coisa que eu me lembro dessa casa, é que esse quadro me dava pesadelos!
 
  Livros e cds faziam torres por todos os lugares, pelo chão passavam fios que pelo visto se conectavam nas tomadas do outro lado do quarto, mas estavam desplugados, dentro do quarto também havia uma mesa que servia como uma espécie de escritório, com velas antigas, um notebook daqueles antigos que pareciam uma mala porque ainda utilizavam um monitor de vídeo físico embutido, velharia! E ainda tinham dois gabinetes antigos de computadores, que provavelmente eram o motivo dos cabos e fios espalhados pelo carpete e eu espirro só de lembrar.
 
  O outro quarto parecia ter pertencido a minha mãe, mas era desprovido de qualquer personalidade, as paredes eram pretas, com um armário,  um criado mudo e uma cama, todos na cor cinza.  E uma penteadeira de madeira de lei envernizada e com detalhes em dourado, foi nesse quarto em que eu me estabeleci e agora tinham algumas roupas minhas espalhadas pelo chão, um leve cheiro de maconha e algumas bolas de pelo de gato.
 
  O terceiro quarto estava trancado e eu ainda não tive tempo para chamar um Key Hacker para arrombar aquela porta, eu tentei na força, mas fracassei.

  Tenho dormido o dia inteiro, mas eu não consigo descansar e ter qualquer tipo de disposição por aqui e passo as noites em claro. Eu não me sinto em casa e não me sinto acolhida por esse local. O papel de parede lilás descasca e me sufoca, o apartamento é grande, mas não consigo abrir as minhas asas e me sinto como uma águia em gaiola de canário, os móveis são velhos e empoeirados e eu sou alérgica, ainda não arrumei nada e nem separei as coisas velhas para jogar fora. Não é uma casa é o tumulo da minha . Mesmo após a morte e já se foram dez anos, o apartamento mantem um aroma doce de perfume antigo, como se ela ainda caminhasse por esses corredores e eu tenho certeza que vi um vulto na entrada da sala um dia desses, mas eu secava o cabelo e também estava "mutcho" chapada, mas foi sinistro, a última semana foi sinistra. Não vou nem falar daquele quadro bizarro no quarto da "véia", ainda não estou preparada. 

  Ela havia herdado o apartamento e decidira sair da casa de seus tios, que davam todo o suporte necessário à ela desde o acidente, mas sempre deixaram claro que não eram seus pais, o que desde cedo causou um certo isolamento emocional em relação a eles. 
 
  Rana ganhava um dinheiro consistente trabalhando como video-tatuadora em São Paulo. Ela desenhava excepcionalmente bem e começou a video-tatuar aos dezesseis anos, tinha prestado vestibular para a Escola de Novas Artes do Rio de Janeiro e passou com sucesso, mas as aulas só começariam no próximo semestre e esse alinhamento culminou na oportunidade perfeita de emancipação que ela tanto buscava.

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⏰ Letzte Aktualisierung: Jul 23, 2019 ⏰

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Rana Cannis e a Maldição da Lua NegraWo Geschichten leben. Entdecke jetzt