Eu não te ajudei esperando algo em troca

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Minha vida estava uma merda. Eu andava mancando pelo corredor do segundo andar da minha escola, logo após ter ido - no dia anterior - ao enterro da minha tia. Era irônico e maldoso da parte do destino me fazer torcer o tornozelo há três meses, me deixar iludido pensando que meu aniversário seria um recomeço, para logo em seguida me fazer receber a notícia de que minha torção estava se tornando crônica e que minha tia estava em coma induzido no hospital, porque eram seus últimos suspiros.

Mas o senso macabro do destino não parava por aí. Além de passar meu aniversário com o meu pé direito muito inchado e sem conseguir andar direito, minha tia veio a óbito na parte da tarde. Tinha acabado de chegar da escola quando meu pai pediu - com os olhos vermelhos de tanto chorar - que eu fosse me arrumar para irmos ao enterro de minha tia. Eu chorei, chorei muito, e não conseguia parar de chorar. Eu derramava lágrimas por inúmeros motivos e o principal deles era: meu mês, o começo de um novo ano, meu aniversário...

Podia parecer egoísta e eu nem me preocupo em dizer que não é, porque de fato é. Eu sempre amei minha tia, mas quando discutimos sobre desavenças religiosas, nos afastamos um pouco. Nunca paramos de nos falar e eu sempre a amei, mas ao vê-la definhar por culpa do maldito câncer que se alastrava por seu útero, senti que não a teria mais em minha vida por muito tempo.

Meu cabelo sempre foi cortado por ela e vê-lo enorme no reflexo do espelho me fazia perceber que eu sempre iria me sentir vazio quando lembrasse dos meus fios sendo cuidados por suas mãos gentis. Era um ritual nosso, desde criança, e eu nunca deixei que ninguém além dela cortasse meu cabelo. Ela também morria de ciúmes quando ouvia minha mãe dizer que iria me levar em outro lugar para parar de incomodá-la. Eram momentos nossos, mesmo depois das desavenças, que tinham chegado ao fim no dia do meu aniversário. Eu nunca mais veria minha tia, a minha tia preferida dentre as irmãs do meu pai, e sempre que fizesse aniversário, iria lembrar dela e do meu pé torcido. O destino não cansava de ter um humor cruel.

E enquanto eu mancava, com a pior expressão que alguém poderia portar no rosto no dia seguinte ao próprio aniversário, me sobressaltei com um estrondo vindo da área dos elevadores. Parei para olhar e minha curiosidade me fez me aproximar mais. Eu era o único ali, senão aposto que teriam vários estudantes indo fazer o mesmo que eu.

-Socorro... - ouvi uma voz abafada e franzi o cenho. Eu tinha ouvido bem? Tinha alguém dentro daquela lata de metal?

Não tive tempo de perguntar, porque imediatamente vi a porta do elevador tentando ser aberta. Eu poderia ter perdido o interesse em tudo e ir embora, senão tivesse percebido que a porta estava sendo forçada a abrir por dentro. Realmente tinha alguém ali.

-Ei, eu tô aqui, vou te ajudar. - me pronunciei.

Cheguei perto do elevador e comecei a puxar a porta para o lado esquerdo. Aquilo estava fazendo com que eu forçasse o meu pé torcido, mas eu não podia simplesmente ignorar alguém que estava preso ali.

-Só mais um pouquinho. - murmurei fazendo um grande esforço e puxando ainda mais a porta.

O esperado era que quem quer que estivesse preso do lado de dentro saísse andando para fora do elevador assim que visse uma brecha, porém, nada estava sendo como "o esperado".

A porta do elevador tinha dado uma brecha boa para que alguém saísse e o inquilino forçado daquela caixa metálica até saiu, todavia, ele saiu se arrastando. Ainda me esforçando e mordendo o lábio inferior para manter a força que eu fazia e aguentar a dor no tornozelo, consegui ver que o elevador estava mais para baixo do que para cima e por isso aquele garoto rastejava para fora.

-Eu não aguento mais! - gritei e o olhei.

Vi quando o menino de pele acobreada retirou a única perna que ainda estava para dentro daquele lugar assustador e então eu soltei a porta. Eu fazia tanta força, tanta força, que assim que soltei a porta, a mesma se fechou em um rompante, eu caí para trás e gritei de dor, além de só ouvir outro estrondo. O elevador tinha caído de vez e o tremor no chão deixou isso claro.

Me trouxe a vocêWhere stories live. Discover now