Memória de um Tempo..

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Está uma quente tarde de Agosto.De olhos fechados e deitada de costas na areia, deixo-me levar pelos sentidos. Oiço o leve marulhar das ondas em dia de calmaria. O Sol aquece a minha pele enquanto uma suave brisa a acaricia e refresca. 

Um dia perfeito!Aos poucos deixo-me afundar cada vez mais nesta suave dormência. Oiço ao longe o som das vozes das crianças que brincam na água. Subitamente, também eu sou agora uma criança, oito anos talvez. Embalada por uma suave ondulação... num barquinho, um barquinho de borracha branco e vermelho com remos de madeira... e a praia ao longe, já não é a praia onde me encontro mas sim a Praia da Rocha. A brisa já não é fresca, é quente. As mãos que seguram com firmeza os remos de madeira... são do meu Pai!

Observo-o demoradamente, é como um sonho... continuo a ouvir o mar e as vozes das crianças ao longe... o meu Pai! Observa-me com um sorriso. Os olhos semicerrados, enrugados pela luz do Sol, espreitam por baixo da pala do boné marialva, beije aos quadradinhos pequenos. Contemplo aquele olhar e sorriso malandros que me faz agora lembrar o fadista do fado da Mouraria que cantava a Amália. O meu Pai, com uns calções beije e um polo azul marinho, sorri para mim... lembro-me tão bem...

- Queres remar? – pergunta-me.

- Sim! – respondi, trocando imediatamente de posição com ele.

- E para onde nos levas desta vez?

- Por aí! Talvez até ao Vau.

- Vais ter dificuldade em voltar, o vento estará contra nós.

- Não importa! O pai está aqui e rema para cá se for preciso!

- Muito bem! Pega nos remos! És o comandante do navio! 

Sorri-me de novo, puxa a pala do boné sobre os olhos e deita-se atravessado na popa do barco com os pés de fora. Ouço o som dos remos a cortarem a água, enquanto remo, observo o meu Pai.

O meu Pai... que tanta falta me faz! Agora, trinta anos depois... Faz hoje um mês que partiu. Retirou-se deste mundo no dia 12 de Julho, uma manhã de Verão igual às outras, quente, ensolarada, mas mesmo assim ele foi-se embora, partiu para sempre sem se despedir. Na última vez que o vi com vida, estava deitado na sua cama. Tinha um crucifixo na mão e segurava-o frouxamente entre os dedos azulados. Os olhos grandes, muito abertos, olhavam na minha direcção, mas não me viam... 

Foi a última vez que o vi com vida, mas ele não me viu e eu fugi para a rua. Despedi-me dele em silêncio com um último olhar e um enorme peso no peito. Não queria que a minha filha pequenina visse o seu querido avô dar o seu último suspiro...

Agora temos mais um lugar na mesa, um lugar que mais ninguém ocupou. Que saudades do meu Pai. Passam dias e dias que não me lembro de ti! Agora já te posso tratar por tu porque já só vives no meu coração. Fazes parte de mim e eu trato-te por tu porque me pertences. Não me lembro de ti, mas não te esqueci, nunca te esquecerei! Espero que estejas bem, onde quer que seja! Se for possível, lembra-te de nós, das tuas meninas, como carinhosamente nos chamavas...

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⏰ Last updated: Aug 17, 2019 ⏰

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