Prólogo

17 3 2
                                    


 Os trovões ecoavam fortes, como se mãos pesadas batessem na terra molhada, e, prenunciavam os feixes de luz que iluminavam o céu escuro, indo e vindo em um piscar de olhos. Dando um tom ainda mais lúgubre para aquela imensa construção, onde as pedras se mantinham firmes, mesmo após tantos anos. Apenas o telhado de uma das torres desabara, tornando difícil o acesso a escadaria da mesma. Por entre as telhas caídas, musgo e fungos cresciam.

  Mãos trêmulas deslizavam pelas paredes buscando apoio, riscando as pedras com suas unhas grandes e sujas. A pele era pálida e fina, tão fina que era possível ver as veias se entrelaçando por debaixo dela. Os olhos fundos e cansados, tinham a esclera avermelhada e a pupila como um véu esbranquiçado que, inquietantemente, percorria a escuridão que se sucedia, onde as tochas já não alcançavam com sua luz fraca. O manto preto se arrastava ao chão e, embora um ouvido comum nada pudesse ouvir, o som do tecido contra o assoalho de madeira escura, para ele, era ensurdecedor.

  O vulto caminhava pelas trevas. Os seus olhos, adaptados com a ausência da luz, não o traíam como os ouvidos e o nariz o faziam. Se sentia fraco, mas obrigou-se a continuar andando, enquanto sua boca, em sussurros, proferia palavras profanas. há muito esquecidas, mais antigas do que as paredes que o observavam. Mesmo ele não entendia como ainda se lembrava daqueles cantos e feitiços.

  O crepitar incômodo das tochas desapareceu, assim como todo o resto e, por um breve momento, tudo ficou em silêncio, entrando em coerência com a escuridão do vazio, que o cercava. Ele continuou caminhando, pisando não mais naquele assoalho manchado, mas no nada. As mãos, agora, riscavam o ar.

  Em um piscar de olhos, estava do lado de fora do grande castelo abandonado. Assim como as árvores agitadas pelo vento, as gotas da chuva caíam sonoramente, e, escorriam por seu rosto. Ele olhou para o céu escuro onde nuvens escondiam as estrelas à procura de uma antiga amante. Lá estava, uma lua cheia e brilhante, que, aos poucos, era preenchida por uma vermelhidão, como se antigas feridas estivessem se abrindo e o sangue jorrasse aos poucos. Silenciosa e misteriosa como sempre. Ele banhou-se naquela luz, que parecia penetrar em sua pele e lhe restaurar parte do vigor, as rugas e os sulcos profundos em sua pele, continuavam, porém ele já não se sentia tão cansado. A hipersensibilidade ainda o incomodava um pouco, irritando os seus ouvidos, e o fazendo sentir-se enojado, devido ao cheiro putrefato que entrava por suas narinas. E ele sentia sede, tanta sede que a garganta parecia ter espinhos, ele quase podia senti-los, espetando a sua carne por dentro e instigando-o.

  Olhando ao redor, enquanto caminhava devagar, ele notou, que estava tudo como sempre estivera, pelo menos, do quanto ele podia se recordar. Árvores se estendiam ao redor da propriedade se perdendo na escuridão da noite onde até mesmo os seus olhos, mais observadores e capazes, não podiam alcançar. Ao noroeste, porém, as luzes da cidade pareciam mais coloridas do que nunca e grandes construções se erguiam quase tocando os céus.

  Se dirigiu até os fundos da propriedade. A terra escura e batida deixava apenas algumas flores e grama chegarem até a superfície, podendo contrastar ou acrescentar – Dependendo de quem visse – o tom sombrio que acarretava aquele lugar. Túmulos enfeitavam o terreiro, exibindo nomes que foram marcados de forma bruta na pedra e que há muito tempo, não eram, nem mesmo, mencionados. Ajoelhou-se ao lado de um desses sepulcros, sujando as calças de barro ao fazer. Olhava para o caixão de madeira forrado com um pano vermelho sujo de terra, assim como suas unhas estavam. Aberto e vazio. Assim como ele se sentia.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Aug 19, 2019 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

O Carniçal da Ponta OesteWhere stories live. Discover now