Chamada Maldita

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Ficar sozinha em casa nunca foi novidade para mim. Desde que completei meus 16 anos, meus pais decidiram que eu tinha responsabilidade o suficiente para passar um final de semana sozinha. Para mim era ótimo, eu amava a companhia dos meus pais, mas também não era tola de não ver as vantagens de se poder ficar sozinha, sem nenhum adulto por perto.

No início eles tinham o pensamento de que eu seria mais uma daquelas adolescentes rebeldes que dão festas ou chamam garotos para casa assim que os pais saem, mas tudo que eu fazia era ler meus livros em paz e assistir minhas séries sem interrupções. Era maravilhoso.

...

Hoje era mais um daqueles fins de semana em que eu ficaria sozinha. Há mais ou menos uma hora meus pais saíram para comemorar seus 20 anos de casados. Vê-los felizes e amando um ao outro para mim não havia preço, sempre admirei o amor, respeito e confiança que aquele casamento tinha. Sempre muito diferente da maioria dos casamentos de hoje em dia, que normalmente geram muito estresse.

Eu tinha acabado de tomar meu banho para ir dormir, mas não sem antes assistir a um filme. Fazer isso já era quase um ritual. Liguei a TV e ela estava exibindo o canal de notícias. Uma jornalista jovem de pele clara e cabelos lisos longos disparava frases enquanto seu olhar focava na câmera.

- ... Não haverá muitas mudanças no clima de amanhã, a previsão é que os ventos fortes continuarão e o sol só está previsto para terça-feira - Ela disse. Quase que por ironia do destino ouvi a janela balançar devido ao forte vento que fazia lá fora. - E antes de encerrarmos, a polícia avisa que o número de trotes subiu nesta última noite, muitas viaturas foram enviadas a locais onde diziam estar havendo acontecimentos grotescos, e acabaram por encontrar o local vazio - Continuou. - Bloqueiem números desconhecidos que tentem passar trotes à sua residência - Ela alerta. - Por hoje encerramos. Tenham uma ótima noite e nos vemos amanhã no mesmo horário!

Os trotes terem se tornado mais frequentes já era de se esperar. Não havia muito tempo em que um jovem universitário tinha sido assassinado enquanto voltava da faculdade, por volta das 22h da noite. O número de trotes na cidade costuma aumentar após acontecimentos grandes assim.

Coloquei um filme e pedi uma pizza pelo aplicativo. Quando não se sabe cozinhar, esses aplicativos de fast food acabam se tornando uma benção.

Com vinte minutos de filme, ouço 3 batidas seguidas na porta, dei um pulo no sofá imediatamente. Me acostumei com o silêncio da casa e apenas o barulho do filme, obviamente o som alto de batidas me faria tomar um grande susto. A pizza até que chegou rápido.

Pauso o filme e me levanto para atender. Estou com muita fome e foi bom a pizza ter chegado cedo, pois detesto ter que esperar. Porém, fiquei surpresa quando abri a porta e vi apenas a rua deserta e mal iluminada a frente, o único barulho audível era o forte vento balançando as folhas das árvores e carros a distância.

Saí para a varanda e senti a madeira fria tocando meus pés. Olhei ao redor e não havia entregador algum, nem sequer sinal de uma moto no local. Então me dou conta: Moto. Eu não havia escutado barulho de moto!

Sinto um calafrio percorrer minha espinha no segundo em que o toque do telefone soa alto pela casa toda. Me direciono até ele na esperança de ser meus pais avisando que chegaram.

- Alô? Pai? Mãe? - Pergunto, esperando a resposta. Nada. Apenas ruídos.

- Alô? - Digo um pouco mais alto.

- Você deveria fechar a porta - Ouço uma voz robótica falar do outro lado da linha. Sinto medo. Desligo e vou fechar a porta.

Volto ao sofá a passos largos e me sento, na tentativa de acalmar minha respiração. Oras, como você está sendo tola. Penso. Deve ser apenas mais um trote do qual estavam falando no jornal mais cedo. A batida não passa do vento extremamente forte. Bom, pelo menos é o que eu esperava.

Após me acalmar e decidir que era sim apenas um trote, continuo o filme, o qual nem estou prestando mais atenção. Me pergunto se há mais alguém recebendo ligações a esse horário.

Quando finalmente consigo recuperar minha atenção para o filme, o telefone toca novamente. Dessa vez me levanto com raiva, sem medo.

- Que é?! - Pergunto. - Não tem mais o que fazer?!

- Sua falta de educação pode te levar a sua morte - Ouço a voz robótica dizer. Se ele ao menos tirasse esse efeito sinistro da voz... - Apenas gostaria de fazer-lhe um elogio.

Fico em silêncio.

- Por que não passa trotes para outras pessoas? - Questiono. - Não gosto desse tipo de brincadeira.

- O azul combina com seus seios - Ele diz. Gelo na hora. Como ele poderia saber que eu estava de camisola azul?

Olho ao redor, caminho até a cortina e espio lá fora. Nada.

- Olha, eu vou desligar - Digo enquanto fecho todas as cortinas e verifico novamente se a porta está trancada. - Essa brincadeira não tem graça, sabia?

- Se desligar eu corto sua garganta até ter sua cabeça fora do seu corp... - Desligo. Talvez eu tenha feito algo estupido.

Brincadeira ou não, decidi desligar a TV e subir para o meu quarto. Tomar cuidado não era um problema e perder um filme não iria me matar. No meu quarto não havia janelas e eu poderia ficar trancada lá.

Subo as escadas correndo e entro no meu quarto. Assim que fecho a porta me sento na beira da cama e jogo o telefone ao meu lado. Passo as mãos pelo cabelo. É apenas um trote. Tem que ser. Mas como ele sabia o que eu estava vestindo? CARACA! É SÓ UM TROTE!

Levo um susto e solto um gritinho quando escuto o telefone tocar novamente. Meu coração está acelerado e minha respiração já se tornou incontrolável. Que insistência em um trote!

Desligo. Segundos depois toca novamente.

- EU VOU LIGAR PARA A POLÍCIA! - Grito na linha.

- Você acabou de cometer o maior erro da sua vida - Escuto uma risada.

- Desligar na sua cara!? Não atender o telefone!? - Pergunto. - Acha mesmo que vou ficar me estressando por essa brincadeirinha idiota!?

Escuto ele soltar uma risada. Que estranhamente parece mais... perto.

- Seu erro foi se trancar comigo - Escuto ele falar calmamente.

- Me trancar com você? - Olho ao redor e embaixo da cama. Nada. É uma pegadinha. - Onde você está, então?

- Estou no seu guarda-roupa.

Chamada Maldita | one-shotOnde histórias criam vida. Descubra agora