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     Me senti nu, escaneado, totalmente exposto quando todos se voltaram pra trás e o seus olhares sustentaram o meu, que só tinha um alvo naquela droga de sala. Eles queriam uma resposta, pelo menos foi o que pensei, e pelo gestual do tal Professor Davi que cruzara os braços sobre o peitoral, ele não daria continuidade a sua aula antes de uma resposta minha...

*

02 MESES ANTES DESSE DIA...

_ Oi, filho. Tá chegando agora?

     Foram essas as palavras do meu pai assim que entrou em nossa casa, já tirando a camiseta. O velho tava bem suado, e com certeza terminara sua rotina de exercícios correndo desde a academia pra casa.

     _ Fazer o quê, se tenho que acatar sua ordem e esse toque de recolher imposto?

     Há coisa de um mês eu e alguns amigos fizemos algumas coisas com um otário da escola, e o filho da puta nos denunciou. Por conta desse episódio, meu velho determinou uma nova rotina pra minha vida e fodeu ela de vez.

     _ Já falamos sobre isso Malik. Suas ações determinam as minhas reações.

     _ E suas reações não me deixam viver. Não vejo a hora de completar meus 18 anos e sumir daqui.

     _ Seu sonho né, Malik? Sumir daqui e voltar pros braços da sua mãe...

     _ Pode parar com esse papo, ok? Não quero mais saber dela. Vocês dois são as maiores decepções da minha vida.

     O velho bem que ia falar alguma coisa, só que o cara travou, respirou fundo e antes de se virar e sair da sala disse:

    _ Vou tomar banho, pedir nosso jantar e assim que a gente terminar de comer, tenho algo bem sério pra falar com você, filho.

     _ Que seja. Não tenho como fugir disso mesmo...

     O velho começou a cantar no chuveiro uns 05 minutos depois que nos falamos. Ele parecia estar bem animado, pois a música era um hit bem legal que sempre tocava nas baladas. Eu o vi sair do banheiro enrolado numa toalha e confesso que o velho tinha uma puta genética. Sorte ele ter transferido um pouco dela pra mim.

     O jantar foi pedido, ele foi até a porta do meu quarto e chamou...

     _ Vamos, filho. A comida parece estar deliciosa.

     Ele não esperou nenhuma reação minha, se virou e saiu.

     Esse cara era um poço eterno de surpresas. Ele tinha tudo que eu amava e odiava ao mesmo tempo. Era uma coisa meio louco esse tipo de pensamento que eu tinha porque sempre que uma coisa boa acontecia, uma merda vinha logo atrás. Ele e minha mãe não deram muito certo. Eu lembro que os dois sempre brigavam, gritavam um com o outro e por pelo menos três vezes ela lhe deu uma bofetada na cara. Uma coisa era inegável, minha mãe tinha muita coragem... Viram o tamanho do negão? Ele sempre levava a pior, e no dia que a grande bomba caiu na minha cabeça, eu entendi porque ele nunca reagiu a todas as agressões físicas e verbais que ela lançava pra cima dele.

     Meu pai era gay, e deve ter chegado o momento em que ele não mais aguentou e abriu o jogo pra todos de uma vez. A gente morava em Porto Feliz, olha a ironia do destino, e logo depois ele foi transferido para Violeta e minha mãe voltou pros Estados Unidos já que ela era cidadã Norte Americana. Claro que não contei nem dois e fui com ela. Não posso dizer que minha vida na América foi a melhor que tive nos 03 anos que se seguiram, e logo após o meu aniversário de 11 anos ela disse que tinha conhecido outro cara e ele foi bem franco em dizer que não seria uma boa criar o filho de um outro cara. Ela nem contou até UM pra me deportar do País e da sua vida. 

     Voltar a morar com um cara que me deixava envergonhado e que se tornara um completo estranho em nada me ajudou. Minha sorte é que ele vivia no trabalho e eu estudava em tempo integral e a gente convivia pouquíssimo tempo. Nos finais de semana a coisa era mais estranha ainda. O cara era fanático por esportes e exercícios e me arrastava pra tudo que era lugar. Eu olhava esse seu mundo e via tanta gente se divertindo e sorrindo, que as vezes ficava com raiva de mim por não me entrosar com ele e seus amigos.

     Já na adolescência, a rebeldia me encontrou na escola e até agora era uma companheira sempre presente. Pelo menos até eu e uma turma de amigos danificarmos todos os armários dos garotos que a gente não gostava. E o que fizemos? Simples... Pegamos cola maluca e colamos as portas dos armários. Só que tudo foi gravado e antes do final do dia, eu e mais 04 amigos fomos chamados na sala do Cara de Fuinha, Sr. Campbell, e nossos pais foram avisados do que acontecera. Consequência... Todas as portas dos armários que foram danificadas tiveram que passar por um bom conserto, e a conta chegou na casa do Dr. Rassul Vilella que pagou sua parte sem dizer nada e assim que chegamos em casa minha vida começou a mudar.

     Entrei no corredor ao mesmo tempo em que o velho saía dele. O cheiro da comida tava mesmo muito bom e meu pai logo nos serviu e sentamos nas banquetas em volta da pequena ilha e jantamos num silêncio meio tenso. Eu não parava de pensar no que ele iria me falar, e isso nunca foi algo bom. Terminamos o jantar e ele colocou a louça suja na lavadora. Assim que levantei ele disse:

     _ Estamos de partida para Savana.

     Eu fiquei um minuto inteiro olhando pra ele, e disse:

     _ Então você mais uma vez vai ferrar com a minha vida, e eu nada poderei dizer... Fazer? Fala sério, cara. 

     _ Olha, filho...

     _ NÃO, PAI... A DECISÃO JÁ FOI TOMADA... VOCÊ SÓ ESQUECE QUE MINHA VIDA É TODA AQUI... EU PENSEI QUE TINHA ENCONTRADO O MEU LAR DEPOIS QUE VOLTEI... EU TAVA CANSADO DE SER JOGADO PRA LÁ E PRA CÁ SEMPRE QUE UM DOS DOIS RESOLVESSEM FERRAR SUAS VIDAS SEM SE IMPORTAR COM A MINHA... QUER SABER, CARA...??!!! APROVEITA QUE A FARRA LOGO VAI ACABAR, E NO DIA QUE EU ME VER LIVRE DE VOCÊS PRA SEMPRE... ESSE VAI SER O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA.

     Dois dias depois eu e ele voltamos a ter uma conversa onde só ele falou. Uma baita promoção na Chantal's, a loja onde ele sempre trabalhou desde que minha mãe ficou grávida de mim, lhe elevou a categoria de Diretor, e claro que ele não tinha como recusar tudo isso. Alguns dias antes da nossa mudança definitiva, ele me ajudou com as provas finais da escola e assim que tive minha aprovação em mãos, a gente disse Adeus Violeta, e olá Savana.

O apartamento era simplesmente incrível, e pelo que meu velho disse, a gente teria suítes e muito mais espaço...

_ Gostou, Malik?

     _ Esse lugar é incrível, pai. Onde é o meu quarto?

     _ A segunda porta do corredor, filho. Vai lá... Se não gostar me fala e a gente refaz tudo...

      _ Caraca... Que irado esse quarto...

     Meu pai parou no vão da porta e pelo meu entusiasmo, ele apenas ficou lá sorrindo e depois que voltei do banheiro...

     _ Valeu, velho.

     Ele do nada entrou no meu quarto, me abraçou e disse:

     _ Nós dois temos como fazer valer a pena, Malik. Eu te amo, garoto.

     Na hora me deu uma vontade louca de chorar. Meu pai mesmo sem saber, conseguiu rachar o gelo que estava de alguma forma condensado em volta do meu coração. Então eu apenas retribuí o abraço e disse:

     _ Tudo bem, Sr. Rassul Vilella. 

     *

     Tudo isso passou pela minha mente na velocidade da luz. E caro que eu não tinha a menor vontade de me abrir com esse bando de esquisitos que ainda me olhavam com seus pares de olhos curiosos, e em expectativa...

     _ Só acho, Professor Davi que não devemos alterar a programação dos nossos horários, só porque um pequeno grupinho de desocupados não quiseram vir à aula no dia que houve a dinâmica e todos nós tivemos que falar um monte de mentira sobre nós e ouvir outros tantos. Agora será que dá pra voltar pra aula? Odeio Trigonometria, e talvez essa seja a minha chance de aprender essa droga de matéria.

     Acredito que todos na sala me ouviram em alto e bom som, mais apenas uma apessoa dentre as 41 que estavam lá, tiveram o privilégio de ter o meu olhar sobre ela... E essa pessoa era ocara do topete, que logo decorei o nome... C. Neto.

Ponto de Fusão  - Romance GayWhere stories live. Discover now