Capítulo Único

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Eu sinto cheiro de sangue e solidão. O ar é denso. Em algum lugar ouço passos rápidos, talvez um gato ou um rato grande. Ouço pingos, talvez de água, que caem diretamente do teto. Uma gota de cada vez, que ecoa no corredor onde estou, reverberando - plig... plig... plig...

Percebo uma silhueta parada mais a frente, cabisbaixa, parece desolada, como alguém depois de andar por quilômetros, percebe que talvez não haja luz no fim do túnel.

Lágrimas caem de seus olhos, continua olhando um ponto fixo e noto algo se agitando no chão. Me aproximo, suas roupas suadas e amarrotadas, há um lugar úmido a altura do peito, sangue mancha suas roupa e eu percebo que o que está no chão é um coração. O seu, pulsando.

Seus olhos parecendo perdidos, ele tenta imaginar como chegou àquele estado, quando tudo o que ele queria era ser feliz, pertencer, ter alguém. Em que momento ele deixou de trilhar o caminho que levava à felicidade para terminar com seu coração no chão? Em qual momento ele se desviou do caminho?

Me perguntei se existe algum ponto em que começamos a confundir dor e amor. Até que ponto ignoramos a dor, na esperança que ele vire alegria?

Eu sinto o choque, a desolação e o espiral de emoções em que ele está perdido. Cenas do passado, súplicas, sorrisos, segredos, se misturam com sonhos e planos que não aconteceram. Ele duvida, se pergunta se deve continuar naquele caminho. Se encontrará saída ou morrerá tentando.

"Até quando eu devo insistir?" ele se questiona.

Em algum momento ele deixou de ser correspondido, mas ele preferiu pensar que era uma fase. Ele daria tudo para tê-la de novo em seus braços.

Mas agora ele parou de se arrastar e percebeu que não faz sentido. Por que ele está fazendo isso consigo? A troco de quê? "Eu devo estar louco para voltar e implorar por mais..."

Seus pés cansados param um momento, enquanto seu cérebro trava uma batalha com seu coração sobre qual será o melhor caminho.

Aqui ele percebe em que estado ele está. E novas lágrimas caem de seus olhos, por tudo o que ele fez para chegar até aqui. Por tudo o que ele se fez passar. Porque ela nunca seria dele.

Ele viu quando o amor que antes o elevava se transformou em um buraco e sugava-lhe a alma sem que ele conseguisse evitar.

Ele se lembrou do começo do fim. Das primeiras feridas que fizeram um no outro, naquele então, ele se perguntou quanto tempo um amor sobrevive a essas feridas antes de morrer completamente. Agora ele tinha a sua resposta, mas não por isso que ele sabia melhor como reagir.

Ele escolheu ficar com ela. Ela escolheu ficar com ele, mesmo quando eles já não estavam mais.

Ele se lembrou da primeira vez que encontrou feridas nela. Causadas por ela mesma. Com o amor eles resolveriam tudo. Quem havia lhe ensinado isso?

Ele tentou cobrir essas feridas com amor, mas ela não aceitava.

E quanto mais ele tentou salvá-la, mais ela negava e maiores eram as feridas nos dois.

Ele olhou para trás. Avaliou o caminho que percorreu até ali.

Ele não poderia obrigá-la a aceitar. Há alguma maneira em que você consegue obrigar alguém a mudar? Ou fazer o que você quer?

Ele não descobriu. E pela segunda vez naquele corredor escuro e malcheiroso ele viu: em algum momento ele amou a independência dela. Como ela não precisava de ninguém para resolver seus problemas. Ela sempre foi assim. Era o seu jeito de ser.

Eu aceito.

Ele recolheu os pedaços que pôde do seu coração. Não tinha mais porque ficar ali. Ele reconheceu que não ficaria completo nunca mais, havia coisas que não podiam ser desfeitas, partes que não podiam ser readquiridas. Mas ele sabia que, com as partes que ficou, poderia reconstruir algo novo.

Ele olhou nos meus olhos e já não era ele, era eu ali. Segurando os pedaços do meu coração, entendendo que não era apenas aquilo. Havia mais.

Sempre há mais.

Vi compreensão em seus/meus olhos. E ele seguiu.

E eu segui.

P.S.: Ouça litost, de X ambassadors

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⏰ Last updated: Mar 01, 2020 ⏰

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