Filho Viciado

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Jonas estacionou o carro e sorriu pra mim, animado, o site da clínica aberto no celular. As fotos da propaganda não mentiram: tudo muito limpo e bem iluminado, suítes arejadas e confortáveis, móveis luxuosos, parques, campo de futebol, salão de jogos, biblioteca moderna, restaurante com alimentação equilibrada preparada por nutricionistas.

— É praticamente uma temporada num hotel de luxo com SPA, Neusa — comentou, enquanto passávamos pelo parque aquático. A piscina olímpica igual ao do clube perto de casa, onde Gabriel fazia aulas de natação ainda outro dia, um lar tão feliz. E de repente caímos, caímos...

Faz seis meses que descobrimos o segredo dele e o pesadelo não passa, continua doente, ô vício maldito, vício do demônio! Um menino tão esperto, bom aluno, obediente, organizado, feliz, sempre brincando de caminhãozinho, de carrinho, de futebol com os outros garotos da rua... Como foi se entregar tão completamente ao inferno da adicção?

Falhei como mãe, fiz tudo errado... Jonas não sente o peso, já chegou dando tapinha nas costas de todo mundo, uma intimidade irritante. Doutora Elisângela nos recebeu com entusiasmo igualmente insuportável. Estamos numa tragédia, minha senhora, aqui não é mesa de bar.

Estou cansada, tão cansada, só quero o menino limpo de novo, não preciso de tanta cerimônia. Já decorei a parte em que o adicto tem que aceitar a doença pro tratamento dar certo. O primeiro passo, a doutora ficou repetindo e repetindo, é o mais importante, ninguém percorre grandes distâncias sem começar colocando um pé na frente de outro.

Os poucos pacientes que teriam alta chegaram em fila indiana. Uma senhora chorou em silêncio. Lágrimas de alegria? Não. Sentia a mesma angústia, a minha angústia, eu sei: este lugar desperta o pior da gente.

*

Gabriel não veio, não se curou ainda, ô meu filho, por quê? Jonas acha que é importante ficar até fevereiro do ano que vem e ir direto pra escola nova, muito mais rígida na disciplina e com aulas de Teologia. O erro foi darmos liberdade demais.

— Queridos, podem começar! — chamou a doutora, entusiasmada. Pálidos apesar do sol forte de agosto e com um olhar distante, apagado, recitaram o mantra, em coro, num tom de voz que me pareceu fraco demais para os jovenzinhos saudáveis que agora eram.

— Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção e que nossas vidas se tornaram incontroláveis! Acreditamos que um poder maior do que nós poderia devolver-nos a sanidade! Admitimos a Deus e a nós mesmos a natureza exata das nossas falhas! Humildemente, pedimos a Deus que remova os nossos defeitos de caráter!

— Basta, queridos. É o suficiente para o momento — interrompeu ela, com delicadeza. — Todos vocês fizeram um progresso fantástico nos últimos meses e estão de parabéns. Os seus familiares estão aqui conosco, muito orgulhosos. Uma salva de palmas para os nossos amados internos!

Jonas aplaudiu tanto que um desavisado poderia achar que nosso filho estava entre os curados. Não tive ânimo nem pra levantar da cadeira.

— Boa tarde a todos. O meu nome é Ana — falou uma moça muito magra, de vestido cor-de-rosa com babados.

— É Aninha, querida! — corrigiu a doutora.

— É... Bem... Enfim, o meu nome é Aninha e hoje quero agradecer todo mundo aqui da clínica que cuidou tão bem de mim e aos meus adorados pais por não terem desistido nem diante das minhas recaídas...

Um casal de senhores de idade, de óculos escuros, começou a chorar alto. O garoto ao lado deles tampou o rosto envergonhado com as mãos.

— Não vou mentir, gente... Não foi fácil. Eu pensava o tempo todo... enfim... vocês sabem no quê. Mas agora estou até praticando esporte, a Janaína é uma professora de balé maravi... Muito competente. Estou pronta pra voltar pra casa!

Filho ViciadoWhere stories live. Discover now