mil novecentos e noventa e nove

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Em mil novecentos e noventa e nove Mimi cuspia violentas poesias quebradiças nas ruas queimadas pelo astro sangrento e varridas por um hélio em busca da deusa nascente de cabelos de girassol e jatos de águas claras espumantes. Pulávamos calçadas rachadas em nossos sapatos gritantes seguindo a melodia orquestrada da fada etérea Yoo Shiah e suas teias feitas de sonhos irrecuperáveis.

Dez anos e o nascimento naquela tarde irresponsável ainda ronda minhas tenras e deturpadas considerações. Quem quer que tenha espirrado o chão em sangue desagradável o fez envolto em névoas brumosas carregadas de incensos equivocados. Enquanto Jiho enfiava a língua na boca de garotos maltrapilhos com um punhado de sorrisos escolhidos em prateleiras de farmácias arruinadas.

A vida parecia o devaneio molecular alquebrado em pedaços calculados por virgens bem quistas em sociedades nem tão secretas. As brisas secas do verão incipiente adentravam pulmões pilhados em mares revoltos em tormentas sem faróis claros e repleto de peixes gigantes engolindo peônias das mãos caridosas de Seunghee.

Se estou presa nessa sala abarrotada de plantas mortas no calor sufocante enquanto twin peaks se repete na tv descolorida a culpa pode ser erguida e depositada nas costas da virada do milênio. No sofá desgastado de Shiah torcemos chicletes mofados prendendo a respiração caótica no três dois um feliz ano novo. Dez anos depois ainda espero a quebra da bolsa enquanto Jiho repousa o espírito derrotado nas linhas do trem de Daegu.

Misturei fitas cassete, jogos de tabuleiro e calendários envelhecidos na amálgama descontente de hábitos exagerados referente a Mimi. Se minha oferenda foi delegada a última grama recém cortada do entardecer, salpiquei lágrimas em duendes amorfos para que ficassem nítidas minhas impressões calcificadas.

Mas estátuas de mármore não sobrevivem muito em água escaldante no florescimento do novo e derradeiro século, e lamentar escolhas repetidas na história repatriada não traz novos vislumbres ao horizonte suprimido em tragédias e farsas. Resta-nos calcular dores profundas irrigadas de líquidos tenebrosos movidas pelo inconsciente coletivo gritando como tigres presos em gaiolas de ouro para espetáculo de  panteras babando por um pouco de preciosidades perversas.

O que resta agora senão tensões irrefreáveis de orquestras desafinadas e notas de quantias irrisórias varrendo ruas abafadas por centenas de luzes aspirando o calor calmante de uma invencível Kim Jiho rodopiando em ruas paralelas ao entardecer sangrento. Em mil novecentos e noventa e nove éramos então intocáveis em nossos tronos de marfim repousados em castelos de açúcar. Cuspindo ordens e mandando mensagens enigmáticas a soberanos gregos pouco reverenciados.

Deuses decaíram por muito menos.

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