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Lívia cruzou o pátio da lanchonete. Cadeiras características dos anos 50, de um forro de cor framboesa e com a parte traseira em um misto de branco com preto, se estendiam em dois grupos de dez presos às paredes. Ela, no entanto, sentou-se em um banquinho de couro paralelo ao balcão e pediu um milkshake de menta. Enquanto o balconista, um homem de meia idade chamado Durval, mandava o pedido à cozinha, eles conversaram.
- Ouvi falar sobre Helena Diamantina.
- E quem não ouviu, seu Durval? - ela pergunta, sorrindo. - É só o que se fala nessa cidade.
- Matou o marido. Que lástima.
- Estrangulado. Parece que usou luvas, mas um fio de cabelo caiu na corda. Engraçado como algo tão pequeno pode acabar com a vida de alguém, não é mesmo?
- Foi porque Deus quis, filha.
- Deus não quer ninguém preso, seu Durval. - ela respondeu, e uma olhada sarcástica do balconeiro a lhe fez ter lembranças que nunca viveu, os famosos deja vú. Pensou repentemente em um peixe característico das águas do Oriente Médio olhando para um cavaleiro egípcio enquanto duas paredes de mar fechavam-se em vários deles, afogando-os. - Nem morto. Isso quem faz são os homens.
- Homens, sim! - uma olhadela sinistra do seu Durval transformou-se em um sorriso acolhedor, quase paterno. - O homem, especificamente. Seu irmão.
- Remo não é homem. Nunca teve tempo para a família, só os seus...trabalhos.
A verdade é que Lívia Teixeira Sangrino nunca soube com o que seu irmão trabalhava. Diz que é detetive, mas a frieza de suas mensagens não a acomoda. Tem algo por trás, algo de cheiro podre e enterrado nos fundos da mente dele que ninguém nunca soube exceto, talvez, seu melhor amigo, o professor Diamantina. Na madrugada de 23 de Março, às duas horas, ele foi morto por sua mulher, Helena, uma atriz local da cidade de Surtos, no interior de São Paulo.

O homem era o melhor amigo de Remo, que desapareceu desde que o assassinato foi descoberto e Helena, desmascarada. Junto com sua vida, foi o seu trabalho. A polícia informou que ela queimou todos os documentos e anotações de todos os casos dele e jogou em uma pilha na frente da casa, o que alertou os vizinhos, que chamaram os bombeiros. A única coisa que sobrou de sua carreira foi um centavo americano, que ninguém sabe do que se trata.
  Quando Lívia terminou seu milkshake, com o sabor doce e fresco de menta na boca, deu adeus a seu Durval e o pagou, saindo discretamente da lanchonete com a consciência de que pessoas olhavam para ela enquanto passava pela porta. A cidade de Surtos, estando em uma região fria do estado, sempre formou uma névoa densa quando anoitece. A mulher de vinte anos, com um cabelo chanel de um castanho profundo, não percebeu que estava sendo seguida. Ao passar pelo mercantil onde costuma frequentar, uma mão a segurou pela nuca e a puxou para um beco sujo, fazendo-a chocar-se contra a parede, já pálida.
- Fique quieta! QUIETA, AGORA, SE NÃO EU LHE MATAREI!

Ela calou-se. Sua mão se distanciou da bolsa, prestes a pegar o celular. O homem tinha um nariz enorme e cheio de espinhas, seu cabelo, escuro e desarrumado e parecia ser cego de um olho. Lívia nunca o vira na vida; um assaltante qualquer, provavelmente, embora fosse muito estranho que a abordasse desse jeito em vez de só furtá-la em tempos de cerração.
Estava apavorada para pensar nesses detalhes compartilhados na narração, mas não é essa a noite que a jovem vítima morre. Uma sombra cobre o beco; uma pessoa da espessura da entrada aparece como se fosse um fantasma mais leve que o vento. Seus olhos iguais ao de Lívia a encararam e ele entrou no beco.
- Aí está você! Não a vi em casa.
- Mas que...? - o assaltante olha de um para o outro e a segura com mais força.
- Remo! Me ajude!
- Eu já disse para me avisar se fosse sair de casa, Lívia. Pelo seu hálito com um leve frescor, julgo que foi na lanchonete do seu Durval.
- Remo...!
- Ah, é teu irmão? O famoso Remo Sangrino!
- Seu avião está disponível? - o outro pergunta displicentemente.
- REMO!
- Quer sua irmãzinha, seu cretino? - o assaltante tira uma faca do bolso e a gira no ar. - Vem pegar!
Remo não fala nada e parece finalmente notar o homem. Sua mão, vestida com uma luva de couro que cobre seu segredo, empurra o meliante pelo rosto e o encurrala na parede, como o próprio fez com Lívia segundos atrás. O detetive Sangrino olha para ele através dos inúmeros fios vermelhos molhados na sua testa, lembrando remotamente linhas de sangue que escorrem.
- Volte para seu chefe.
- Acordei o psicopata? - ele diz, rindo de um modo sufocado. - Sua irmã sabe de algo, detetive. Não iremos demorar para descobrir o que esconde.
- Acha que eu tenho medo? - ele segura a pequena faca do criminoso e a entorta com a outra mão. - Tenho muito trabalho a fazer, acabei de receber um caso. Diga a ele que, se me quiser, venha atrás de mim pessoalmente. Vá!
O homem foge, ligeiramente alarmado com a extrema força do detetive, e some na névoa. Lívia balança a cabeça com impaciência para o irmão quando ele vira.
- Não via que eu estava sendo enforcada?
- Estava com pressa, desculpe. Raciocinei mal.
- Bem, agora não tem mais importância. Obrigada de qualquer maneira. Vem, vamos entrar.
Ela tira a chave da bolsa enquanto Remo olha lá dentro, franzindo as sobrancelhas. Enquanto abre, Lívia, ainda tremendo ligeiramente, lembra do que ele falou.
- Disse estar com pressa?
- Sim. Preciso do seu avião.
- E para quê dessa vez?
- Recebi um caso novo. Preciso ir urgentemente para o Alaska.

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