SETE MESES

71 4 2
                                    


Oi, meu nome é Tiago Monteiro e hoje eu preciso que você me ouça.

Nunca quis ser visto, ou mesmo desabafar com alguém. Mas está insuportável sentir o que estou sentindo.

Minha mãe dizia que toda família grande tem um filho atentado, hoje percebo que não é o Matheus o filho que dá trabalho. Tá certo que ele bagunça, grita toda hora, mas o verdadeiro caos sempre fui eu.

Eu amo meus pais, meus irmãos, nosso cachorro Lumus, mas não sou de demonstrar afeto. Não é porque eu como sozinho que eu odeio minha família. Não é porque eu não dou minha opinião sobre as notícias do jornal que eu não queira estar com eles. Eu amo estar com eles! Só não consigo ser uma explosão de felicidade como todo mundo quer.

Faz exatamente sete meses que eu não assisto TV com eles. Faz sete meses que eu não aviso para minha mãe sobre a reunião da escola. Faz sete meses que o Lumus arranha a porta do meu quarto, clamando por uma ida no parque.

Meus pais diziam que eu estava com depressão. Mas eu sei que não é verdade, porque ninguém nasce com um padrão. Ninguém é obrigado a sorrir com piadinha sobre futebol na hora do almoço. Eu estava feliz, mas a forma como eles me viam me deslocou.

Sete meses atrás, num domingo de abril, meu pai decidiu nos levar ao Rofus, um restaurante brasileiro, para comemorar o aniversário da minha irmã Manoela. Foi incrível! Eu estava tão feliz por dentro, mas de repente fui atingido por gritos.

- POR QUE VOCÊ NÃO PODE COLOCAR A MERDA DE UM SORRISO NESSA SUA CARA? SUA MÃE E EU FAZEMOS TUDO POR VOCÊ, E É ISSO QUE RECEBEMOS! TODO DIA, TODO ANIVERSÁRIO, VOCÊ TÁ CALADO, VOCÊ NÃO ESTÁ FELIZ! NÃO ESTRAGA A MERDA DESSE DIA TIAGO! ELA É SUA IRMÃ! PARA DE CONTAMINAR A MESA COM SUA TRISTEZA, QUE EU NEM SEI PORQUE EXISTE!

Meu rosto ficou encharcado de lágrimas de uma hora para a outra. Eu não conseguia dizer nada. Eu sei que a bebida o ajudou a me agredir, mas ele era meu pai. Manoela começou a chorar também e me abraçou. Lembro-me de ter afastado os braços dela de mim, e olhado dentro dos seus olhos.

- o seu presente está escondido em casa. Eu deixei pistas na casa toda. Feliz aniversário minha irmã. Eu te amo

Minha mãe não disse nada. Talvez ela concordasse com o meu pai. Pelo menos em partes. Levantei-me e vi dezenas de famílias me olhando. Sai pela porta da frente, coloquei o capuz e fui caminhando em direção a minha casa.

Por que eu não conseguia demonstrar felicidade, sendo que eu realmente estava feliz? Eu não entendia. Eu não queria causar essa sensação nos meus pais. Quarenta minutos depois vi Lumus correndo em direção aos meus pés. Agachei-me para acariciar o pequeno e fiquei ali por longos minutos chorando.

Eu amava minha família. Muito. Eu era feliz. E se fosse preciso fingir sorriso. Eu fingiria.

Comprei um bolo na padaria, recheado de morango. O preferido de Manoela. Enchi bexigas de cor vermelha, a preferida de Manoela. Ela teria uma surpresa. Eu iria me redimir. Eu seria uma pessoa nova agora. Eu aprendi a gargalhar mesmo não querendo. Eu adorava desenhar, então fiz uma faixa enorme com o nome da nossa família e colei na parede da sala. Logo acima da mesa onde estava o bolo.

A campainha tocou. Fiquei eufórico. Eu ia me redimir. Manoela ia sorrir tanto. Eu ia ser amado de novo. Apaguei as luzes e abri a porta.

Fazem sete meses que meu sangue secou na calçada da minha casa. Eu desmaiei e perdi três dentes ao bater a cara no chão. Eu digo "minha casa" porque não restou mais ninguém para dividi-la comigo.

Fazem sete meses que minha família saiu daquele restaurante e sofreu um acidente de carro. Fazem sete meses que eu fui em cinco velórios em apenas um dia. Fazem sete meses que eu não sou feliz. Fazem sete meses que a faixa com os nossos nomes está caída no corredor.

Fazem exatamente sete meses que eu não sou feliz. Eu nunca consegui agradecer aos meus pais por tudo que tinham me proporcionado, e eles morreram com a certeza que eu odiava minha vida.

Quando procurei os documentos dos meus familiares para poder enterra-los, achei minha certidão de nascimento e outros papéis adquiridos no dia em que nasci. Um deles dizia que sofri um acidente vascular cerebral assim que cortaram o cordão umbilical. Perdi a sensibilidade do rosto. E nunca ninguém havia me dito isso.

Hoje eu não quero sorrir. Aliás eu nunca mais quero sorrir. Eu quero ver meus pais.

-Luhran

Du hast das Ende der veröffentlichten Teile erreicht.

⏰ Letzte Aktualisierung: Apr 25, 2020 ⏰

Füge diese Geschichte zu deiner Bibliothek hinzu, um über neue Kapitel informiert zu werden!

Sete mesesWo Geschichten leben. Entdecke jetzt