Capítulo Único

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Era inevitável para Jinyoung observar o quão bem Jaebum ficava enquanto concentrado. O amigo tinha um jeito cuidadoso de tratar seus quadros, suas obras. O pincel, segurado como uma pena entre os dedos, fazia linhas coloridas tornarem-se rostos, objetos e paisagens com a mesma facilidade que alguém dorme depois de um dia cansativo, com o mesmo tom de alívio e, de alguma forma, esperança. Jaebum, com sua postura impecável e roupas sujas de tinta, conseguia contar as mais lindas histórias segurando apenas um pequeno, e mesmo assim poderoso, pincel.

Jinyoung não sabia descrever todas as coisas que sentia quando o amigo virava-se para si com aquela expressão cansada, mas feliz. Para Jaebum, terminar uma obra era como concluir um ciclo da vida. Ele sentia, até demais na realidade, suas criações. Podia falar por horas com qualquer um sobre aquela mulher que retratou em sua pintura tivera uma vida sofrida, como o marido abandonou-a para viver com uma moça, mais jovem e mais cheia de vida, na cidade. Mesmo que tal mulher não fosse real, o Im falava como se tivesse conhecido-a, como se tivessem sido velhos amigos. Além de pintor, ele também era um ótimo contador de histórias.

Talvez todas as memórias que tinha armazenadas com ele um dia também virariam história. Jaebum falava tão cheio de convicção de determinadas obras que Jinyoung se perguntava se ele por acaso não tinha vivido nada parecido. Seu amigo, apesar de ser ligeiramente recluso sobre os próprios pensamentos, parecia ter presenciado tudo que a vida podia oferecer e ainda sim ele tinha apenas vinte e oito anos. Jinyoung o conhecia desde os seis e mesmo assim, certas vezes, sentia que nada sabia sobre ele. Jaebum era um quadro em branco, mas hora ou outra conseguia riscar com o pincel certas linhas em azul. Às vezes, entretanto, sentia que sabia demais sobre ele, ou tentava se enganar com o pensamento que o tempo juntos lhe fazia o único próximo dele.

— Ei, Jinyounggie. — o amigo lhe chamou. Jinyoung deixou de lado a revista que lia para fitá-lo. — Pode me passar aquela maleta ali?

O ateliê cheirava a tinta, e na maior parte do tempo era porque o chão vivia sujo, mas Jinyoung nunca se importou com isso. Apesar de ser um galpão bem grande, parecia vazio na maior parte do tempo. Jaebum concentrava poucas coisas ali, apenas o necessário para pintar e, após concluir o trabalho, as próprias obras. Haviam fileiras de pinturas encostadas nas paredes de tijolos, tantas que qualquer um que não soubesse que o Im era o autor delas diria que o verdadeiro pintor provavelmente já teria morrido pela idade — apenas alguém muito velho poderia ter pintado tantos quadros. Mas essa era a vida de Jaebum, ele vivia pelas tintas, pela sensação de ver algo sendo criado.

Era o trabalho da vida dele.

— Aqui. — estendeu a maleta roxa para o amigo, vendo abri-la e pegar alguns tubinhos de tinta. — Quem é? — Apontou para o homem fumando em uma estrada deserta.

Jaebum sorriu.

— Hodges. Ele perdeu sua amada depois de apostá-la para a máfia em Las Vegas. Tudo que lhe sobrou foi o amargo gosto do tabaco.

Jinyoung assoviou, voltando a sentar-se no sofá.

Cruel.

— As pessoas fazem de tudo para ganhar, Jinyounggie. — Jaebum riu, já novamente concentrado na pintura.

Apaixonar-se por Jaebum foi algo natural. Não porque cresceram juntos, mas porque havia muito nele que deixava Jinyoung seguro e amado. O amigo não era falante, muito menos expressivo, mas o cuidado e carinho em cada toque e gesto deixavam Jinyoung anestesiado. A sensação de amá-lo era boa como um café quentinho em uma manhã de neve, a sensação das meias tocando o chão de madeira frio. Apesar disso, o gosto amargo do líquido o lembrava o que amar Jaebum realmente era. Seu melhor amigo desde os seis anos. Seu único amigo verdadeiro, provavelmente. E mesmo assim Jinyoung tinha conseguido apaixonar-se justamente por ele.

Parecia egoísta e mesquinho sentir tanto por Jaebum e pensar que os outros talvez não sentissem como si, mas, mesmo assim, Jinyoung não evitava pensar assim de tempos em tempos, quando a solidão de ver-se sem saída sobre seus sentimentos finalmente o atingia. Nem mesmo o melhor dos vinhos acompanhado com a melhor das músicas podia fazer a dor passar. Não doía apenas pensar que não poderia ficar com ele, mas também pensar no que eles poderiam ter sido se as coisas não tivessem acabado de tal forma. Jaebum sempre lhe pareceu um ótimo amante, do tipo de pintar quadros e comprar flores toda semana apenas porque uma hora elas iriam murchar, e assim seria bom ter outras.

Mas eles não podiam ser nada, sequer amigos pareciam ser em certos momentos. Tudo porque nenhum dos dois sabia o que fazer com o amor que sentiam.

Jinyoung descobriu sobre os sentimentos do melhor amigo quando bêbado deixou escapar muito mais do que soluços. Talvez tivesse um jeito melhor de dizer, mas não se arrependera de ter o feito. Na mesma noite, os beijos que trocaram naquele beco escuro foram muito mais libertadores do que ter asas. Jinyoung apenas se arrependia de uma coisa: não ter tomado coragem de contá-lo antes. Não porque poderia ter aproveitado muito mais de jaebum, amá-lo mais, mas porque naquele momento, com o Im prestes a ir para a Europa estudar, eles não podiam ser muito mais que meros conhecidos. Jinyoung era muito carnal, ele precisava da conexão física mais do que o aconchego emocional. Jaebum, por outro lado, precisava saber que Jinyoung sempre estaria lá, e ambos sabiam que ele não estaria.

Eram jovens. Jaebum tinha vinte e um quando partiu, Jinyoung apenas vinte. Durante os quatro anos que ficaram separados, somente cartas podiam relembrar o que um dia poderiam ter sido como amantes e o pouco que fizeram para tornar tal realidade possível naquele beco, mesmo que o esforço tenha sido mínimo e os resultados medíocres. Por terem descoberto o amor entre eles tão repentinamente e logo depois se afastarem, nenhum dos dois nunca soube o que fazer. Quando separados, fingiam que não sabiam de nada, mas um dia Jaebum voltaria e eles precisariam dar um jeito no que sentiam. Ao que esse dia chegou, ambos também fingiriam que nada sabiam. Desde então estavam assim, estranhos um com o outro.

Se conheciam desde muito novos. Amar um ao outro de forma tão intensa parecia extremamente complicado, mesmo que na teoria tudo fosse simples. Não era por se conhecerem demais que talvez pudesse ter facilidade no amor, na realidade parecia ser justamente o contrário. Jinyoung sentia que o que sabia de Jaebum era capaz de afastá-lo, assim como o Im às vezes parecia sentir o mesmo. Conheciam-se tremendamente que o peito chegava a apertar cada vez que previam os estragos causados por discussões fúteis quando bêbados. Sabiam em demasiado dos defeitos um do outro, o quão ruins poderiam ser. Tudo isso os confundia ainda mais, contudo a atração era inegável. Se amavam nos lençóis como deveriam se amar ao tomar um copo de café na manhã seguinte, mas isso nunca acontecia.

— Jinyounggie?

Olhá-lo com tal expressão preocupada talvez fosse o que deixava Jinyoung com vontade de correr para longe. Jaebum sempre sabia quando algo estava errado.

— Vem aqui, Jinyounggie. — ele sorriu pequeno, os olhos escuros escondendo o peso das próprias palavras. Jinyoung se levantou, deixou a revista de lado e ocupou-se em frente ao Im, que deixara a pintura de lado. Em segundos, acomodou-se no colo dele, as pernas abertas para poder encará-lo enquanto em tal posição. — O que foi?

Jinyoung sorriu, ele sempre iria fingir que não sabia o que pensava e o Park sempre fingiria não ter problema algum com o que tinham.

— Estava preocupado com alguns assuntos da faculdade.

Jaebum sorriu daquela forma carregada, assentindo. Ambos sabiam que era mentira.

— Eu posso te ajudar com isso?

O Park assentiu, colando os lábios nos de Jaebum. Era sempre assim. Não ficavam com mais ninguém, não se deixavam conhecer. Sabiam praticamente tudo um sobre o outro — ou assim pensavam ser —, e mesmo que isso os afastasse certas vezes, pois podiam ser espelhos um do outro, apontando defeitos e erros do passado, talvez essa fosse uma das únicas coisas que ainda trazia-os de volta para o aconchego de sentir. Eram complicados, bagunçados, nunca aprenderam a amar outro alguém, sempre foram apenas eles dois e sempre seria assim. Não sabiam o que fazer com o amor que sentiam, e provavelmente nunca tentariam aprender. Porque ter um ao outro, mesmo que em partes quebradas, em estilhaços, era melhor do que não ter, e eles não arriscariam perder nada naquela relação que já parecia faltar muito.

O que eu faço com esse amor?Where stories live. Discover now