As Cartas de Louise

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França, 1939.

A lembrança era tão forte e vívida, que parecia que ela poderia abraçá-lo novamente. Seu perfume, cheirando a madeira antiga, cravo e couro, ainda a envolvia, assim como o grave ressoar de sua voz. Talvez ele tivesse deixado ali, junto a ela, um sussurro para que se lembrasse das promessas de retorno que fazia todos os dias desde a sua convocação.

Sentia ainda o frio lacerante  da massiva quantidade de metal da enorme locomotiva que o levou de seus braços, assim como se lembrava do calor do carvão queimando. Não de uma forma saudosa, como quem revisita uma confortável lembrança da alegre infância ou de um doce amor juvenil. Aquelas eram lembranças amargas.

A densa nuvem de vapor que se espalhava pelo ar frio da estação tornava a cena ainda mais triste, enquanto o lamento tomava forma entre todas aquelas pessoas.

O desespero ecoava nas vozes, enquanto as promessas e juras que se afogavam  em lagrimas faziam o coro ainda mais triste. Palavras de amor e dor.

Quase se podia ouvir as preces e orações daqueles que ficavam ali, impotentes como um frágil dente de leão no vasto campo assistindo a tempestade chegar, sabendo que suas leves pétalas serão violentamente arrancadas, sopradas e carregadas sem destino certo. Ali  assistiam seus amores serem arrancados de seus abraços, sem saber se voltariam. Pais, mães, filhos, irmãos, esposas e amantes, todos aflitos.

Não havia silêncio. Nem por um segundo. O choro de velhos e de bebês se misturavam em uma dissonante trilha, que a assombrariam até os dias de hoje.

Não conseguia definir o que mais lhe marcara, a expressão de medo dos que iam ou o choro enlutado e dolorido dos que ficavam.

Seu nome era Louise. E ali, na plataforma número 9, ao lado do relógio que em urgência anunciava 16:39h, estava ela, quando o ensurdecedor chamado do apito soou fazendo todo o seu corpo tremer.

Naquele momento sentiu seu estômago revirar enquanto seu coração disparava de forma tão acelerada que pareceu ter parado. Enquanto isso um frio e abundante suor brotava de sua pele e escorria por baixo do pesado casaco de inverno.

Aquelas reações não eram exclusivas dela. Certamente as centenas de pessoas na plataforma da estação ferroviária também sentiam tremores, suores, desolação e muito medo.

Assistir seus jovens partindo para o caos, e possivelmente para a morte, era a mais difícil das situações que aquelas pessoas viveriam até ali. Para Louise não seria diferente.

Naquela nublada, fria e esfumaçada tarde não havia mais o brilho sobre os grossos fios avermelhados que a fizera se apaixonar. Os olhos verdes, que antes refletiam a luz quente do sol, agora tinham assumido um verde sem vida, sem esperança.

E pensar que poucos meses antes daquela despedida Louise se encantava ao alisar aqueles fios enquanto o por do sol os deixavam ainda mais vermelhos, se é que aquilo fosse possível.

Aquele verão agora se encontrava em um passado tão longínquo, quase que há uma eternidade. A despedida, que parecia ter parado o tempo, fez cada minuto eterno.

Ela sentia sua falta. Seu nome, Michell.

Filho de um simples ferreiro, o primogênito de três. Os cabelos ruivos foram herdados de seu pai, assim como a pele alva e sardenta.

As cartas de LouiseWhere stories live. Discover now