Solstício

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As chamas languidas brilhavam e estalavam na lareira preenchendo o silencio e o frio. Vermelho, dourado e laranja. Fazia muito tempo que não parava para ver o fogo, apenas se sentar em uma poltrona no fim da noite e ver a madeira queimar.
Eu não me lembrava. Particularmente sempre tentei evitar o fogo e as lembranças que vinha com ele.
O fogo dançando como uma bailarina sobre a lenha com poucos movimentos dos dedos esguios de sua mãe, os olhos vermelhos carinhosos e gentis como os de ninguém jamais fora. Talvez os de Jesmida já tenham sido. Minha amada Jesmida.
A garrafa de sidra ainda estava encima da mesa. Uma péssima ideia, deveria ter comprado uma garrafa de vinho. Pego a garrafa em minhas mãos, o liquido dourado girando com o movimento. Tiro a rolha e sirvo um copo, por um momento estava novamente sentado na mesa de carvalho escuro esperando um comentário maldoso de um de seus irmãos, ansioso por algo, qualquer coisa que tirasse o silencio daquela maldita sala. Realmente, uma péssima ideia.
Era solstício de inverno, o barulho suave das risadas dos meus vizinhos era um zumbido em meus ouvidos. Seria o primeiro solstício que passaria sozinho, estando na Corte Outonal ou Primaveril nunca tinha ficado sem companhia. Sempre havia alguém, uma distração para empurrar as memorias que insistiam em acordar.
Freyre havia me convidado a passar a noite com eles, minha amiga estava... radiante, como nunca a tinha visto, recusei o convite. Assim como recusei ficar mais tempo em Velaries do que o necessário, ambos pelo mesmo motivo.
Eu não suportaria.
Não pertencia aquele lugar, a lugar algum e a ninguém.
‘Suma da minha Corte, Vanserra’, disse Tamlin da última vez. Eu odiava aquele nome e ele sabia disso.
Virei o resto da bebida em meu copo e servi mais um. A noite mal havia começado as lembranças já haviam me sufocado. Olhei para a garrafa de sidra, deveria ter comprado whisky.
Vesti o sobretudo pesado e sai, a noite fria fazia o sangue correr mais rápido sob a pele. Um choque muito mais que bem-vindo. As ruas eram alegres, brilhantes e animadas, a cidade toda aspirava felicidade e esperança. Eu entendia o por que de a amarem tanto, de a protegerem a qualquer custo, era a cidade deles afinal. Seria fácil velos sentados em um dos bares rindo e festejando.
Os Grão-senhores estariam enroscados um do lado do outro, Mor estaria com Cassian rindo de algo, não queria pensar no que Amren estaria fazendo, Elain talvez recusasse o convite e Azriel... Não tinha ideia do que estaria fazendo. Assim como suas sombras, o mestre espião se moldava, escondia e as vezes o sol rompia a escuridão, nesses momentos era possível vez além da mascarra fria. Mesmo que por alguns segundos. O rosto suavizava, os olhos brilhavam e Azriel aparecia, não o espião do Grão-senhor ou o soldado. Apenas Ele.
Balancei a cabeça entrando em um dos bares que estava aberto, não estava cheio. Caminhai até o balcão e o barman veio rapidamente.
- Um whisky.
Alguns segundos e o copo de bebida âmbar estava em minhas mãos, o liquido desceu queimando minha garganta. Soltei um suspiro deixando a mente vazia, já tinha pensado demais.
- Noite difícil? – um feérico de cabelos castanhos claro se sentou no banco ao lado. Era bonito, uma beleza simples. Um sorriso charmoso, cheio de intenções.
- Nada que me tire a noite – sorriu para o desconhecido.
A quanto tempo não fazia isso? Flertar, ainda mais com machos. Mas é solstício e todos merecem um pouco de descanso.

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⏰ Last updated: Sep 29, 2020 ⏰

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