Capítulo 1 - Paula

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Você mesmo de longe
Fez morada em mim.*

E lá estava ela, reencontrando a praia de Malvarrosa mais uma vez. Encarou brevemente o mar como se tentasse notar as diferenças que havia nele depois de muito tempo sem o ver. Fechou os olhos e respirou o cheiro de água salgada tão típico e deixou seu corpo trazer as sensações que aquele cheiro, aquela brisa e um pouco da areia em sua pele a faziam sentir. Paula estava em casa.

Abriu os olhos, aproximou-se mais da praia e sentou na areia. O vento estava muito gelado naquele início de manhã mas não foi motivo suficiente para afastar a mulher saudosa que ali estava. Agarrou-se no seu próprio abraço para se esquentar um pouco mais. Olhou o mar. Várias lembranças passaram pela sua cabeça. A imagem da última vez que esteve ali, há sete meses atrás, onde vivenciou um furacão de acontecimentos que a deixaram péssima: havia acabado de terminar o relacionamento, uma decisão muito consciente e cheia de razões por parte dela mas ele demorou a entender e aceitar.

A fase de negação de Francesco durou algumas semanas, ainda tentava procurá-la e pediu a Paula até uma segunda chance, o que não fazia sentido na cabeça da valenciana. Decidiu encerrar qualquer tipo de contato com ele. Foi uma época muito difícil para Paula tentar lidar com isso em meio as finalizações da gravação de um filme que co-protagonizou, seria um dos marcos na carreira dela como atriz. Logo após o encerramento das gravações, se permitiu passar algumas semanas com a família em Valência para ancorar um pouco as ideias e refletir sobre aquele momento turbulento que passava.

E olhando o mar naquele momento, o agradeceu por tudo aquilo ter passado. Queria poder dizer que estava bem agora, mas outras questões rondavam sua cabeça. Pensou no momento atual, em sua carreira profissional, as oportunidades que viriam, as decisões que teria que tomar, sua saúde, suas gatas, seus amigos que a preocupavam, a angústia de pensar que poderia fazer mais, seu cansaço de tentar fazer tudo de uma vez, as fotos que nunca publicou por receio, a pressão interna de se aproximar dos 30 anos, a saudade dilacerante de outras épocas... tudo isso lhe tomava a cabeça. Começou a ter vontade de chorar mas se segurou. Olhando a imensidão de água em sua frente, respirou fundo deixando entrar nos pulmões o cheiro de maresia e em seguida pediu pro mar coragem e sabedoria para continuar enfrentando a vida. Levantou, deu uma ultima olhada nas ondas e virou-se para ir para casa.

Adentrou a cozinha da casa de seus pais e viu sua mãe prestes a cortar um belo bolo de chocolate que estava na mesa. Paula sorriu ao ver uma cena muito certa da mãe na cozinha, pois esta adorava cozinhar e sempre havia um pedaço de bolo na mesa de café da manhã, aos sábados, na casa da família Usero Garcia. Isso remeteu a Paula as várias lembranças que passou naquela casa, principalmente nos finais de semana onde a família estava sempre junta a maior parte do tempo.

Agora, depois de meses sem visitá-los em sua terra natal, Valência, sentiu uma nostalgia enorme em relação a tudo: desde a paisagem que mudou, o mar que continuou o mesmo até sua família, que sempre lhe confortou e lhe dá saudades. Queria poder ter vindo em outros momentos, porém não conseguiu em sua agenda cheia de compromissos. Por sorte, conseguiu aliar duas folgas das gravações de uma série e resolveu visitá-los rapidamente. Desde que mudou-se para Madrid não lembrou ter ficado tanto tempo sem o vê-los.

Sua mãe notou a presença dela na entrada na cozinha, sorriu gloriosa e disse:   

—  Mi amor, seu celular tocou bastante agora a pouco.

Paula havia deixado o celular em casa quando foi a praia.

—  Ah sim? —  respondeu revirando os olhos —  logo cedo em um sábado? —  Bufou à mãe que retribuiu com uma careta.

Foi em direção a sala de estar, pegou o celular que estava no sofá e viu três ligações perdidas de Borja Santaolalla, seu antigo parceiro de trabalho - o mais importante da carreira de Paula, um enorme divisor de águas em sua vida. Achou estranho a ligação dele logo por aquela manhã, não havia mensagens no Whatssap nem nada. Tão logo invadida pela curiosidade, retornou a ele. Chamou, chamou. Eis que uma voz grave atendeu do outro lado.

Delicada Selvageria - PaurolOnde histórias criam vida. Descubra agora