{PARTE I}

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Ele tinha o começo de uma longa caminhada tracejada pelas linhas afiadas de seus olhos puxados

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Ele tinha o começo de uma longa caminhada tracejada pelas linhas afiadas de seus olhos puxados. Olga já estava apaixonada muito antes de dizer o primeiro "Olá".

Foi o que ouvi de seus próprios lábios naquele verão de 1982, quando me contou a verdade sobre sua história de amor. Sentadas na varanda lateral de Holiday House, acompanhando o ritmo da tempestade que lavava a mata da Cantareira, Olga me confessou que tinha apenas dois medos na vida: lagartixas, porque, em suas palavras "(...) um bicho que surge do nada e desaparece da mesma forma não pode ser ligado à nada de bom"; e de morrer sozinha.

Ela ainda era jovem demais para pensar neste tipo de coisa, mas sua mente tumultuada por grandes acontecimentos e sonhos vívidos estava sempre à procura de rachaduras que viessem a desmoronar a perfeição bem planejada de seu plexo solar. A preocupação com a ausência de amor no momento de sua partida para outras vidas era tanta que desviou suas atenções do ato em si. 

Não a julgo.

Carrego comigo as lágrimas que compartilhamos desfrutando de suas histórias antes que meus próprios demônios transformassem a minha em uma tragédia. Porque eu encontrei o amor, mas o deixei se esvair em solidão. E foi naquela mesma tarde chuvosa que ela me confessou como havia encontrado o seu.

Antes que topasse com suas calças de risca de giz e os dedos sujos de tinta, vieram outras paixões, outros amores infinitos que, com o passar do tempo, deram espaço a novos encontros, permitindo recomeços.

Para ela não havia nada que apagasse um grande amor, se as marcações no calendário o transformassem em apenas uma memória disforme é porque não era verdadeiro. E não havia um só que pudesse ocupar este espaço. Recebeu amores diferentes de acordo com os rumos pelos quais guiava a própria vida, até que um deles permaneceu. O homem com orbes fundidas em recomeço.

Conto aqui sua história que vive e pulsa pelas ruas das cidades tocadas pelo seus pés, agraciadas por sua presença. Deixo a minha para depois, essa ainda precisa do perdão do tempo.

Jacarandeira, 1948

Não havia nada que pudesse deter o abalo sísmico que desviou algumas rotas e rachou as paredes da cozinha antiga dos Farsano. A filha do fazendeiro responsável por todo o café apreciado na Europa e o filho do senhor cuja oficina de frente para a Igreja de São Bento assegurava que todos os móveis da cidade continuassem brilhando. Infelizmente para a alta sociedade de Jacarandeira¹, no interior do estado do Rio de Janeiro, as férias de verão do internato na Inglaterra coincidiam perfeitamente com os amenos 30ºC do inverno fluminense.

Olga Farsano pulou daquele ônibus sem que ninguém a estivesse esperando. Quando seus pés delicados revestidos por um salto discreto em cetim rosa bebê tocaram o chão da modesta rodoviária, até mesmo a terra vermelha por debaixo do concreto sentiu-se acariciada. As paineiras se curvaram em admiração, rendidas por sua elegância juvenil. E há quem diga que até a brisa de fim de tarde, que andava sumida desde março, se fez presente só para poder beijar-lhe as faces.

a fascinante jornada de Olga Farsano ∘ btsWhere stories live. Discover now