O Santuário de Sekai no Sakusei-Sha

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O santuário se postava imponente ao topo das escadarias a minha frente. Ajustei a pulseira de nandina em meu pulso esquerdo e subi os degraus ao lado de Keiko. Terminado o primeiro lance de escadas, o que configurava metade do caminho, reparei melhor na plantação de chá ao meu redor.

As plantas cresciam dispostas em fileiras horizontais acompanhando as curvas da montanha. Vários agricultores trabalhavam para colher as folhas vistosas e manter o cuidado geral da plantação. Era bonito ver como cada planta era cuidadosamente podada num formato arredondado e como se interligavam em suas vizinhas formando longas fileiras verdejantes.

— É belo o cuidado que têm com a plantação. Parecem ter grande estima por ela. — Disse à Keiko.

— É ao mesmo tempo uma benção e uma forma de apreço à Sekai no Sakusei-Sha. As folhas retiradas daqui são de uso exclusivo dos moradores do Porto. Nenhuma pode ser comercializada, interna ou externamente, ou dada a um forasteiro. No entanto, todos podem apreciar o chá que é fruto do nosso trabalho e devoção.

— Interessante... É como um patrimônio da cidade.

— Sim.

Continuamos o caminho.

Ao chegar ao topo da escadaria, os detalhes do santuário ficavam mais visíveis. A construção principal ficava elevada ao fundo do terreno. Colunas brancas, adornadas com jade sustentavam os andares superiores e as três camadas de telhado. Este, era a parte mais impressionante. Telhas de jade faziam a cobertura e, onde suas linhas se encontravam, uma curva pontiaguda subia para o céu. O beiral era adornado com as mais diversas cenas relacionadas ao chá. À frente da estrutura principal, um jardim de plantas baixas, e outras duas casas menores uma de cada lado, davam as boas-vindas aos visitantes.

Quando estava no meio do jardim, Keiko fez sinal para eu parar e foi sozinha até a porta da construção central. Se curvou, e permaneceu curvada até um homem aparecer. Eles conversaram por alguns minutos e depois recebi um sinal para me aproximar.

— Senhor Hanzo, este é o mestre Takashi, o responsável pelo santuário.

Ambos nos cumprimentamos. Me curvei um pouco mais para mostrar respeito à autoridade de Takashi.

— É um prazer conhecê-lo, Hanzo. Keiko me contou sobre sua vinda e seus interesses. Posso confirmar que é mesmo o seu destino estar aqui. Vamos dar uma volta pelo santuário e conversar um pouco.

— Agradeço a atenção, mestre. — Disse.

— Keiko, obrigado pela visita. Mande lembranças à Isao. Espero vê-los na próxima cerimônia.

— Sim mestre. Passar bem.

Keiko se despediu e iniciamos uma caminhada pelo santuário.

Takashi era um homem alto, aparentemente com um pouco mais de trinta anos, barba curta e longos cabelos lisos. Seu semblante era sério e calmo. Tinha boa postura e andava com os braços para trás vestindo roupas religiosas da cor amarela com detalhes em verde jade.

— Keiko me falou um pouco sobre o senhor, mas gostaria de ouvir mais detalhes. Como se tornou um peregrino e qual é o seu objetivo?

— Perdi minha família ainda criança para a guerra e fiquei sem ter para onde ir. Tinha alguns parentes distantes, porém nunca soube onde moravam ou como encontrá-los. Vaguei pelas ruas por um tempo, até que fui me abrigar num santuário e percebi que os fiéis eram bons comigo. Fui criado assim, viajando de santuário a santuário, de templo em templo, contando com a boa vontade dos fiéis. Conforme cresci, a vontade de entender as ações das pessoas que me ajudaram foi aumentando dentro de mim, junto com o desejo de gratidão e de devolver ao mundo toda a bondade que testemunhei. Sentia como se os templos e santuários fossem a minha casa. Então decidi me tornar um peregrino e estudar todos os lugares sagrados do Japão.

— Sua história é triste, porém, ao mesmo tempo bela e com um objetivo nobre. Pretende publicar seus estudos?

— Claro. Já tenho bastante material escrito.

— Por que não vejo nada com você?

Takashi estava me testando? A minha história não parecera convincente o suficiente? Sua expressão e palavras anteriores pareciam crédulas.

— É complicado viajar a pé com muita bagagem. Quando me estabeleço em um lugar, compro os suprimentos necessários e faço minhas anotações.

— Entendo... — Olhou para minhas espadas. — E katanas são suprimentos importantes?

— Não. Não são suprimentos, são herança de família.

Takashi fez uma expressão curiosa como quem encontra uma contradição. Então emendei:

— Esta é uma história curiosa. Em minha primeira viagem, voltei à minha cidade natal. Apesar da dor que aquele lugar me fazia lembrar, depois de anos, ele me trouxe uma boa surpresa. Enquanto conduzia meus estudos, reencontrei um grande amigo de meu pai, Oshima, o ferreiro local. Ele me contou que antes de meu pai ir à guerra, pediu-lhe que forjasse uma katana que remetesse a espada de meu avô. Oshima recebeu a espada como referência e concluiu seu trabalho. Porém, com os horrores da guerra se aproximando, foi obrigado a fugir com sua família. Ele nunca esqueceu desse serviço e guardou as espadas por todos esses anos na esperança de encontrar algum parente de meu pai para entregá-las. E aqui estão elas, me dando forças e lembrando-me de meus familiares já passados.

— Que história interessante. És mesmo um abençoado pelo destino! E diga-me, sabe brandi-las?

— Apenas o básico para me defender. As estradas podem ser perigosas, é bom ter algum conhecimento em combate.

— De fato. Com quem aprendeu a arte da espada?

— Com os Sōhei (monges guerreiros), quando estive no templo Enryaku-ji.

— Presumo que foi para lá com o objetivo primário de estudar a religião.

— Correto. Fiquei bastante tempo no templo e fui convidado a estudar o manuseio das espadas pelos monges. Eles diziam que era um desperdício e um insulto a meu pai e avô não saber usar um objeto de tanto significado. E eles tinham razão.

— Já precisou usá-las?

— Apenas uma vez pra intimidação.

— Os Sōhei são muito poderosos. Não fizeram nenhuma objeção à sua presença e estudos?

— Já me conheciam. Me abrigaram por um tempo quando eu era jovem. Só pediram para não interferir nos assuntos do templo.

— E o senhor tem uma religião? Digo... para quem é um estudioso da área e foi criado em templos, deve ter uma religião, não?

Takashi estava sendo gentil e discreto, mas o que realmente queria perguntar é se eu fazia parte dos Sōhei. Era uma preocupação justa e fundamentada. Os Sōhei não eram apenas um poderio religioso, mas também militar e político. Mesmo que à vista dos olhos fosse difícil identificar as fronteiras de sua influência, eram fortemente atuantes entre aqueles que "mexiam a peças" da sociedade. Mentalmente me perguntei se Takashi ou o santuário tinham algum envolvimento com os Sōhei.

— Não. Não posso escolher uma religião antes de concluir meus estudos. Seria tendencioso.

— Entendo.

Resolvi mudar o rumo da conversa um pouco.

— Sabe, Takashi... lá em Enryaku-ji, aprendi que alguns objetos são muito importantes em relação à história, cultura e principalmente espiritualidade. Quando Isao me mostrou os utensílios para o apreço do chá, me explicou que cada um tinha um significado e me falou sobre a cerimônia, tive a certeza que deveria vir aqui para estudar. Sua religião e costumes são muito ricos. Me impressiona ter ouvido falar tão pouco sobre Shìjiè Zhìzào Zhě.

O mestre religioso pareceu ter suas preocupações acalmadas.

— Nossas atividades são praticamente restritas ao Porto por enquanto. E nos lisonjeia o seu interesse. Será muito bem vindo aqui. Porém, creio que este não seja o melhor lugar para iniciar seus estudos. Conforme fui orientado pelo próprio Sekai no Sakusei-Sha, peço que o senhor siga as minhas instruções e mantenha sigilo sobre a nossa seguinte conversa. — Afirmei com a cabeça. — Por favor, me siga. Vamos a um local mais reservado.

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