A Coisa

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O trepidar da carruagem já começava a causar ânsia em todos a bordo. Não sem alguma razão, Cecília se questionava se, por acaso, havia mesmo casado com o homem certo – já que esse, particularmente, aparentava ter o mais miserável dos sensos de direção.

- Mãe, a gente já chegou? – perguntou o pequeno Tomaz, elétrico como uma pilha.

- É uma ótima pergunta. – disse Cecília, virando-se inquisidoramente para o marido, que guiava a carruagem.

- Vamos chegar quando tivermos de chegar, ora! – resmungou Frederico, crente de que, em breve, sua mulher largaria o olhar carrancudo e passaria a admirá-lo, por sua chegada à nova cidade.

- Você está dizendo isso há doze dias, Frederico! – retrucou Cecília, exaltando-se. Para o diabo com o comportamento idealista de boa esposa, pensou consigo mesma.

O homem bufou, impaciente. Coçou a cabeça que já mostrava sinais de calvície e, pelo amor que tinha por Cecília, calou-se.

- De verdade, quando vamos chegar? Minha bunda já está quadrada! – disparou Helena, a primogênita.

Frederico estreitou a vista, mas não podia ver sequer uma alma penada passando diante de seus olhos. Amaldiçoou o velho que o vendeu aquele mapa – não servia pra muita coisa, pelo visto; segundo seus cálculos, já deveriam ter chegado no destino há muito tempo.

Certamente, assim que regressasse à Edirne, caso algum dia houvesse de regressar, exigira do velho a boa quantia paga pelo mapa.

- E agora? A gente já chegou? – perguntou novamente Tomaz, agitando os pés fora do aparato de madeira da carruagem.

Cecília fechou os olhos e recostou-se na abóbada acolchoada que os separava da chuva quando era preciso. Viagens daquele tipo eram muito exaustivas para ela, que sequer podia ler um de seus romances enquanto seu corpo era balançado de um lado para o outro.

Além de tudo, tinha que aguentar as intermináveis perguntas do filho e as reclamações incessantes de uma filha que não era nem criança, nem adulta.

- Não. – respondeu Frederico, que ainda tentava enxergar algum resquício de civilização à frente.

Dentro de si, nutria uma esperança, talvez vã, de uma entrada idílica na cidade que agora seria o lar de todos eles. Aparentemente não ocorreria do jeito que planejara por tantos meses.

- E agora? A gente já chegou? – questionou Tomaz, pela milésima vez.

- Cale-se! Você me aborrece! – exclamou Helena, emburrada.

Tomaz mostrou sua língua para a irmã.

- Mamãe! Viu só? Esse pentelho não traz consigo bons hábitos! – acusou Helena, tentando fazer com que Cecília saísse de seu estado de inércia.

Era inútil. Cecília já havia decidido ignorar todos os membros de sua família para que, por Deus, não os acabasse atirando fora da carroça.

- Pare a carroça. – exigiu Cecília, cutucando o marido.

Frederico refreou os cavalos de má vontade. Certamente outras paradas como essa, e eles não chegariam nunca ao destino.

- Não pode se segurar? – questionou Frederico, mal humorado.

- Não seja estúpido, não se trata disso. – bufou Cecília, pulando para fora da carroça com tanta habilidade quanto um felino.

- Que é que você há de ver no meio do mato, mulher? – perguntou o homem, sem entender coisa alguma.

Uma Trouxa em HogwartsOnde histórias criam vida. Descubra agora