A Escuridão em Seus Olhos

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Era pra ser um dia comum na vida de Murilo, ele voltaria da escola, tomaria um banho, depois faria seus deveres e, talvez, jogaria uma partida de algum jogo com seus irmãos a espera do jantar. Mas quando estava voltando da escola sua mãe ligou pedindo para que ele fosse pegar uma encomenda nos correios. Ele podia ter dito que não, que tinha muita coisa da escola, mas ele estava louco por uma agua de coco. 

Nos correios foi rápido. Saiu e foi direto para o quiosque que ficava bem no estacionamento do Farol.  Tinhas algumas pessoas, mas nem tantas assim. Na fila, ele reparou em uma garota sentada no gramado olhando o horizonte como se nada ao redor existisse. 

Ele não a reconheceria se não tivesse visto em suas costas a mochila rosa e roxa cheia de desenhos, que mais pareciam rabiscos, um chaveiro grande com varias penas e missangas coloridas e o mais especifico um bottom desenhado as letras CLG em legras desenhadas, contornadas de azul e vermelho aleatoriamente, o fundo era um gradiente manchado entre o rosa claro e o azul bebe e as bordas, pontilhadas de preto. 

Murilo já tinha visto bottom como aquele, inclusive fora ele que tinha feito o design pra dar de presente a uma amiga. Teve um estralo mental. Não era algo aleatório, era o mesmo bottom que tinha mandado à gráfica no ano anterior. Ele cogitou em ir falar com ela, queria perguntar como estava, porque tinha saído repentinamente da escola, sem nem dar um adeus, mas sua coragem morreu nesse pensamento. Pegou sua agua de coco e foi embora.

No dia seguinte, sem perceber, lá estava ele no quiosque em frente a praia observando se a garota do bottom estava sentada olhando para o nada. Naquele momento, algo extraordinário aconteceu. Sem pensar, ele , subitamente, começou a andar em direção a ela.  Algo que para ele era quase que impossível, agir sem pensar, fazer algo inconscientemente. Não era de seu feitio.

Murilo era a pessoa menos espontânea que conhecia, nunca fazia nada sem pensar duas vezes, não abria a boca se o que fosse falar pudesse causar algum tipo de espanto negativo, mas lá estava ele. Andando como se nada fora do comum estivesse acontecendo. Ele só foi perceber o que estava de fato acontecendo quando já estava sentado ao seu lado.

-Oi - Disse ele timidamente. Se sentia gelado, mesmo fazendo muito calor, era o nervosismo, só pode. Ele ficou esperando ela virar o rosto pra lhe responder, queria ver como ela estava, mas nada.

-Oi - Ela disse, com uma voz fraca e quase sem poder ser ouvida. Não se mexeu, nem virou os rosto, continuou a olhar para o horizonte, penetrada com aquele luz e beleza que só o fim de tarde na beira da praia pode proporcionar.

Murilo queria que ela olhasse pra ele, que o reconhecesse do tempo que estudaram juntos. Ele achou uma falta de educação,  mas não disse nada. Estava fascinado pela garota que ele fora apaixonado por tanto tempo, ali, sentada no gramado do Farol da Barra com ele, bem, não com ele. Ela estava ali antes dele chegar.

Eles ficaram em silencio por alguns segundos, que na cabeça de Murilo foram muitos minutos. Ele queria falar algo, não sabia o que. Nunca fora bom em puxar assunto, as pessoas que puxavam conversas com ele. Seu nervosismo foi aumentando, suas mãos começaram a suar e ele as limpava freneticamente em seu short de tactel azul.

-Você poderia para com isso, por favor. - Ela reclama ainda sem olhar para ele.

-Me desculpa. - Ele diz colocando suas mãos para trás, na esperança da grama limpar o suor que insistia em sair de suas mãos. - Eu estou nervoso. Muitas provas na escola. - Mentiu. Ela não respondeu, nem olhou pra ele. Murilo estava começando a se sentir menosprezado, nunca pensou que a garota que ele gostava e que se comunicara frequentemente no passado estaria agindo de maneira tão, mesquinha?

Passaram mais alguns segundos, eles continuavam em silencio. Era como se tivesse uma bolha envolvendo os dois, nenhum som conseguia entrar. As pessoas ao redor, o barulho do carro, tudo foi abafado pelo clima constrangedor que se estabelecera entre os dois. Murilo queria muito quebrar essa barreira. Queria dizer que a escola estava sem graça sem ela, que as pessoas pareciam tão distantes e que a cola que faziam o grupo ser um grupo. Então, sem nem pensar, ele falou isso.

A Escuridão Em Seus OlhosWhere stories live. Discover now