3. Not so stranger

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As noites no espaço são escuras como a boca de um lobo, os sonos pesados de Minho fazem um contraste gigantesco com os pesadelos nos quais Jisung acorda em meio a gritos e lágrimas escorrendo por suas bochechas como fluidas nascentes. Já estavam há um mês viajando, e os companheiros de beliche ainda não haviam trocado uma palavra sequer. Talvez porque Jisung se pareça com um príncipe e Minho um vagabundo com uma habilidade desumana de se meter em encrencas. Pode ser que Jisung seja muito amigável (mas hipócrita) e que Minho sempre pareça prestes a te dar um soco (carregado com seus sentimentos mais sinceros).

Ambos simplesmente desviam o olhar cada vez que se encontram.

O modo de vida dentro do nave é excessivamente rígido. Todos os dias a população se levanta às sete da manhã, seguindo a programação da Terra, tomam banho e café da manhã. De acordo com as idades, lhes foram designados dentro da nave uma tarefa para formá-los como uma comunidade produtiva. Os mais jovens estudam, mas todos os maiores de 14 anos se dedicam a uma profissão. Os cientistas argumentam que devem ser uma população de trabalhadores; os profissionais virão mais tarde, quando tiverem estabelecido uma cidade na qual seja seguro e confortável morar.

Embora essa tenha sido a primeira decepção para a maioria dos passageiros, Minho já esperava por isso. Mesmo que ele só queira ficar no colchão de cima do beliche, enrolado sob os cobertores e encostado na pequena fenda acima de sua cabeça que serve de janela para ver as estrelas explodirem a alguns metros de distância, Minho deve se levantar todos os dias e se dedicar a transferência dos feridos das caldeiras que abastecem a nave até o precário posto de saúde, além de realizar manobras básicas de primeiros socorros.

Havia conseguido este posto devido à posição de seu pai como médico, um dos poucos homens da nave que teve permissão para continuar exercendo sua profissão devido à necessidade da mesma. Enquanto isso, sua mãe está confinada ao serviço de limpeza e só pode vê-la quando aparece para levar os resíduos do pessoal médico em enormes e grossas bolsas azuis.

Por sua vez, Jisung está encarregado de trabalhar nas caldeiras. O funcionamento da mesma possui uma tecnologia demasiada antiquada para ser considerada o avanço do século, por isso as explosões são constantes e embora não afetem o funcionamento da nave devido a sua magnitude de pequena escala, prejudicam a integridade física dos trabalhadores da seção. Todos os dias o calor na sala torna-se infernal, e o colete de botões que usa acaba enfiado em um canto junto com seu boné, assim como sua calça folgada enrolada até o joelho. E sinceramente não entendia o motivo de ter sido selecionado para a tarefa mais difícil e extenuante, já que força era uma das últimas coisas na qual tinha confiança.

Está ciente da presença constante de Minho nas caldeiras, embora só o conheça de nome e aparência. Claro que possuía uma certa antipatia por ele, aparenta ser um garoto atlético e resistente que, se não fosse pelo pai, estaria trabalhando lado a lado com Jisung. E talvez então, poderiam até ter sido amigos.

A primeira ocasião que lhes deixam a ponto de cruzar um par de palavras, Jisung queima a mão ao escorregar devido à umidade do chão causada pelas altas temperaturas da sala. Sem querer, se apoiou em uma das caldeiras em brasa. Sua palma direita está coberta completamente vermelha e o menino contém as lágrimas que se formam em seus olhos e a vontade de gritar presa em sua garganta. Sai correndo das caldeiras, passando ao lado da equipe de primeiros socorros, que trocam olhares confusos.

Minho trabalha com outro garoto, Chan, um ano mais velho que si quem já era um aprendiz de médico quando recebeu o chamado para embarcar na nave. Ele é um companheiro agradável, surpreendentemente bonito mas às vezes beirando a exasperação. É pela mesma razão que a mudança de alguém tão descontraído e brincalhão para um médico de seriedade impenetrável cada vez que surge alguém ferido no setor não deixa de impressionar Minho.

Jisung vai até os banheiros para mergulhar a queimadura em água gelada e a envolve em gaze antes de voltar ao trabalho como se nada tivesse acontecido. Chan pode até não ter notado, mas para Minho não passa despercebido a bandagem em sua mão.

Ao cair da noite (ou melhor, quando as luzes do nave se apagam), Jisung está sentado sobre sua cama, iluminado pelo sol a anos luz de distância que se esgueira pelas fendas que preenchem a parede do quarto.O toque de recolher já passou faz um tempo e muitos são encontrados dormindo ao seu redor ou pelo menos tentando; no entanto, Minho ainda não havia chegado.

Ele aparece minutos depois, não é como se Jisung o esperasse, mas sua presença o tranquiliza no sentido de que agora tudo parece completo. O mais velho coloca uma caixinha branca com uma cruz vermelha em cima da cama ao lado de Jisung e sentando-se na cama, estende a mão como se pedisse que algo fosse entregue a ele.

"O que quer?" Jisung deixa escapar confuso. Minho sorri de lado e insiste.

"Sua mão, idiota"

Jisung suspira, porque jurava que ninguém havia notado, mas o enfermeiro observador, vestido com o uniforme cinza que chamam de pijama agora está se oferecendo para tratá-lo.

"Por que você a quer?"

"Porque você está ferido. Caso contrário eu nem sequer te tocaria"

"Estou bem, Minho" Jisung maquina seu rosto com o sorriso que sempre solucionou seus problemas, só que nesta ocasião pela primeira vez não deu certo.

"Tire esse sorriso hipócrita do rosto e me deixe ajudá-lo" A voz do mais velho é firme, séria e faz o contrário tremer.

Relutantemente aceita sua derrota, mas de qualquer forma, agora suas mãos são a coisa mais valiosa que tem e não pode se dar ao luxo de perdê-las por um capricho. A deixa cair sobre a palma da mão de Minho, e o homem, com toque suave e cuidadoso, remove a gaze já grudada na pele de Jisung. O mais novo cerra os dentes e solta um gemido dolorido quando esta se solta, e Minho faz uma pausa para acariciar sua coxa em uma tentativa de tranquilizá-lo.

"Agora você entende por que deveria ter nos procurado imediatamente? Estou ciente de que você não gosta de mim, mas de qualquer maneira esse é o meu trabalho"

"E você gosta de mim?" Indaga Jisung.

"Não realmente, você é muito falso para o meu gosto"

"Mas aqui está você me ajudando"

"Sim, aqui estou eu" Minho lhe dá um sorriso suave quando termina de fazer um curativo apropriado, retornando a mão ao colo de seu dono. "Não é grave, apenas cuide do ferimento"

"Certo"

"Até amanhã" Minho murmura enquanto sobe na cama superior, com a intenção de dormir.

"Até amanhã" Jisung responde baixinho, dando um sorriso sincero pela primeira vez em sua estadia na nave, mesmo que Minho não esteja olhando e a imagem se perca no e
escuro e imenso espaço.

𝐋𝐎𝐕𝐄 𝐅𝐑𝐎𝐌 𝐎𝐔𝐓𝐄𝐑 𝐒𝐏𝐀𝐂𝐄 | minsungTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon