capítulo único: ascendemos

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  A escuridão da floresta não é suficiente para nos parar.

  O céu está tão limpo, há tantas estrelas nele, há tantas coisas que não conhecemos, há tantos lugares para descobrir. A curiosidade, a energia, a motivação de descobri-los, um a um, nos faz ir mais rápido, pular troncos caídos e pisotear a vegetação. O céu está mais próximo do que nunca, mas, por enquanto, corremos em terra.

  Subimos ladeiras, passamos por debaixo de galhos altos e por cima de galhos baixos enquanto seguimos sem rumo e, ao mesmo tempo, sabendo exatamente onde ir. Não existem mapas e nem orientações, pontos de referência ou uma descrição do que buscamos. Existem apenas instintos, apenas asas invisíveis e as vozes dos imortais que nos dizem para não temer. Corra mais, suba a colina.

  E fazemos. Nossas risadas, tão carregadas de alegria genuína, ressoam em todos os lugares do mundo e não são escutadas por ninguém ao mesmo tempo. Saímos da floresta e corremos colina acima. A realidade se dobra, contorce e se molda ao nosso redor enquanto seguimos. Suas roupas brancas estão sujas de lama e ensopadas de água, e as minhas também devem estar, mas isso não importa. A pureza não se restringe à coisas tão materiais, mas vive no cheiro de terra molhada e vegetação, na compreensão do mundo ao seu redor e o que nos faz ser parte dele. Nossas roupas estão imundas, mas nunca fomos tão sábios, tão livres, tão puros.

  Ao longe, vemos as lanternas de papel voando alto, nos dando adeus. Adeus aos filhos, os amigos, os discípulos amados. Adeus. Nunca mais voltaremos, nunca mais os veremos, mas não há um sentimento ruim que tome conta de nós, não há um sentimento o qual não conseguimos entender. Todas as coisas têm um final, todas as coisas partem caminhos para sempre em algum ponto. Mas a subida da colina nos torna infinitos, eternos. Nada pode nos parar, nada pode separar o destino que nos foi designado. Corremos e corremos sob a luz da lua.

  O vento uiva em nossos ouvidos e você sorri para mim. E seu sorriso resplandece como o cristal mais puro existente, e eu sorrio de volta sentindo a euforia da compreensão tomar conta de mim, e eu também resplandeço.

  Nossa noite chegou, então brilhamos como vagalumes.

  A terra macia aos poucos se torna pedra enquanto corremos, o penhasco se aproxima. E não há nada para nos deter, nada que possa nos segurar. Somos imparáveis, invencíveis e, acima de tudo, incorruptíveis. Não há choro nem dor, angústia nem mágoa. Só há calor, felicidade e liberdade. Só existem asas.

  Você olha nos meus olhos enquanto ouvimos o som do mar sob o penhasco e eu nunca confiei tanto em você. Sua mão atrapalhada encontra a minha e entrelaça seus dedos calejados com os meus. E corremos e corremos.

  O mundo inteiro para ao nosso redor quando olhamos para o horizonte. As nuvens se movem no céu e essa é a nossa deixa. Nos olhamos mais uma vez e, finalmente, saltamos.

  E não há desespero nem medo da morte enquanto caímos. Não há morte, sabemos. E a água gelada não chega a tocar nossos corpos antes que uma luz tão ofuscante nos toque. Seu brilho, tão puro, me aquece de dentro para fora enquanto me sinto ser jogado para cima. E, de repente, vemos todo o mundo.

  Vemos as pessoas, as casas, as vidas de incontáveis seres. Seu equilíbrio, sua justiça e a pureza que habita em tudo e todas as coisas. Não me sinto sozinho, e me sinto completo.

  Quando encontro seus olhos novamente, sabemos. É hora de deixar tudo para trás, há um universo inteiro para descobrir, amar, cuidar. Aceitamos com alegria nossa missão, e é hora de cumprir o que prometemos.

  Parecia impossível, mas voamos ainda mais alto e viramos luz.

  Ascendemos.

vagalumesWhere stories live. Discover now