Capítulo 5 - Entrelaçados

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Depois do objetivo atingido na última terça, precisavam de uma comemoração a altura. Aquela noite os Demônios do Bueiro iriam na ocupação sem teto, mais conhecida como Praça dos Ratos. Podia parecer um afazer banal, mas dentro do que trabalhavam fazia parte do serviço. Lá encontrariam outros marginais e manteriam sua rede de contatos ativa. Ter e cobrar favores eram necessários para ir longe naquele meio.

A Praça dos Ratos era um local no limite da zona urbana de Nova Vera Cruz. Um prédio de dez andares isolado do resto dos edifícios. Apenas uma única avenida levava para aquele canto da cidade e ela era completamente irregular. O ambiente em volta dali havia se tornado desértico pelos vários carros que passavam por fora da pista. Rachas apostados, veículos fazendo zerinhos e outras atividades contribuíram para aquela mudança na vegetação. O barulho todas as madrugadas incomodavam muito dos residentes do prédio, contudo era ainda mais perigoso entrar em conflito com as pessoas que frequentavam aquelas festas.

O dia em especial estava agitado. Incontáveis carros e motos, centenas de pessoas transitando e música bem alta. Havia um rumor que um dos criminosos mais procurados do mundo, Hiroshi Abe, estaria lá naquela noite. Um provável quarentão, pois não se sabia exatamente o ano de seu nascimento, que tinha ganhado grande notoriedade pela participação em mais de sessenta e dois assassinatos registrados e por ser o antigo mandante de um importante esquema de máfia no Japão. Sua aparência era desconhecida e muitos diziam que ela havia se modificado várias vezes com plásticas e membros robóticos para poder se manter fora do alcance da polícia. Nem sobre seu nome havia certeza, Hiroshi Abe era um pseudônimo. Quando seus crimes começaram a ser expostos, ele queimou todos os registros de sua identidade original.

Se especulava que o motivo para qual um dos grandes astros do crime mundial estava ali era negócios. Nova Vera Cruz tinha uma grande concentração de gangues por zonas da cidade. Os Demônios do Bueiro eram considerados novos dentro da hierarquia. A mais temida, TS11, se reconhecia por duas tatuagens: um "T" na face e uma mão fazendo alusão aos chifres do diabo. Assassinos cruéis que em suma maioria atacavam com facas e machados pelo puro sadismo. Os membros também tinham um lado religioso muito forte. Frequentemente rezavam por perdão pelos pecados cometidos e tinham igrejas particulares para isso. Cometiam todo tipo de brutalidade, o que os fazia mal vistos até dentro do próprio mercado negro.

Estar dentro da TS11 não era mais tranquilo do que estar fora. Suas regras internas se faziam muito rígidas. Membros que eram pegos se embebedando ou sacando arma em uma situação desnecessária sofriam espancamento, pois eram atitudes que chamavam atenção da polícia. As penas dentro da gangue escalonavam até a morte. Pessoas normais não queriam nem estar perto dessa turma. Só se havia uma certeza. Quem se metia com a TS11, saia em um caixão.

A Máfia Latina era outra com importante influencia pelas ruas daquela metrópole. Surgiram como forma de proteger sua etnia de ataques racistas e perpetuavam até hoje. Sua principal atividade era importar produtos de países vizinhos da América Latina. Por fim, a mais numerosa, os Verdes se identificavam pelas roupas em mesma cor e por sua ética. Não permitiam assassinatos e roubos dentro de suas aéreas e nem venda de drogas para crianças ou gravidas. Ela era considerada aliado aos Demônios do Bueiro.

Frank seguiu a festa cumprimentando muitos dos membros presentes. Estavaconversando com Lucy e recebeu a grata noticia que o dinheiro cairia em suaconta no dia seguinte. Ela conseguiu agilizar alguns processos. Antes dela poder explicar, Samira apareceuno meio e puxou Frank de canto. Havia achado algo que o poderia interessar. Um rapaz que havia sofrido lavagem cerebral pela Syrus. Quando Frank o viu, não percebeu nada de diferente. Ele não se destacava em meio à multidão. Superficialmente tinha aparência de uma pessoa normal, mas quando você se aproximava que via os problemas. Frank perguntou o que tinha feito para sofrer tal tratamento.

- E E Eu tentei roubar um ca carregamento da... empresa – notava-se um grave déficit cognitivo naquele homem. – Nã nã não conseguir escapar a tempo. Passei muito, muito tempo nu numa... sala. Desculpa... Esse período é bem bem confuso, mas agradeço muito pela... piedade da Syrus – seguiu falando, mas Frank não prestou atenção.

Ele parecia bem confuso e comedido em suas ações. Tinha poucas expressões. Apenas um corpo perambulando sem espirito. Os rumores afirmavam que ele tinha tentado chantagear uma figura importante dentro da empresa e acabou sendo pego. Não se sabia ao certo como que a Syrus conseguia levar alguém aquele estado. Os principais indícios eram os de tortura e cirurgias no cérebro. Se despediram do rapaz e Samira chegou em Frank para conversar.

- Vê na merda que isso pode acabar? Eu, você e Maike somos um time e irei até o fim nessa história. Você sabe o quanto me ajudou quando abandonei minha família, mas só quero que tenha certeza da sua decisão.

- Não quero que se sintam obrigados a comprar meu barulho. Peço desculpa pôr ter jogado vocês num problema pessoal. Seria injusto cobrar lealdade nessa situação, sintam-se livres para escolher. O meu caminho não tem volta.

Essa foi a última conversa que Frank lembra daquela noite. Depois disso começou a beber e se entorpecer com outros aditivos. Acordou com uma dor de cabeça latente e com náuseas. Por sorte tinha um medicamento para ressaca que havia sido aprovado recentemente pela OMS. Ingeriu e melhorou instantaneamente. O comprido era um grande sucesso pelo mundo afora. Se levantou, comeu um pão do dia anterior e foi em direção à Zona Norte. Dessa vez, tentaria emboscar o assassino de seus pais.

As palavras com Samira ecoavam em sua cabeça desde ontem. Estava levando as pessoas mais próximas para um destino que não lhes dizia a respeito. Frank entendia muito bem como o seu objetivo poderia lhe levar para um buraco sem fundo, mas não tinha nada a perder. Queria ao menos uma vez não ser refém do sistema. Estava caminhando até o metrô com esses pensamentos o atordoando quando viu o veículo de Maike se aproximar.

- Vamos, idiota! Entra no carro – abriu a porta do passageiro. – Tinha mandado mensagem para Samira, achei que iria passar no QG antes. A propósito, ela me contou do que estavam conversando na festa. Se tivéssemos medo desses malditos engravatados não faríamos o que nós fazemos. Minha ficha é um terror. Acusações de furtos, fraude, invasão de informações privadas e mais uma montanha de outros crimes cibernéticos. O que fizemos até agora já nos garantiria pena de morte. Acha que algum daqueles tribunais se importará com a vida de ratos da Zona Sul? Diferente desses desgraçados Piccoli não temos grana para subornar ninguém. Não tenha dúvidas que nós três temos o mesmo objetivo.

- Fico aliviado por ouvir isso, Maike – o carro parou na frente do apartamento de Samira e ela entrou. – O que faremos essa semana é uma resposta. Não há como acabar com a Syrus, entretanto vamos fazer com que eles se sintam fora do controle. Sentirão o caos. Hoje é o dia de ir atrás dos Piccoli.

Como Lágrimas na Chuva - Uma Aventura CyberpunkWhere stories live. Discover now