Capítulo 6

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Alarmes, incêndios, pessoas gritando... A luz vermelha ilumina carros abandonados e escombros. Alguns saíram pela lateral da avenida e caíram vários níveis antes de chegar ao chão. Sangue escorre de um muro onde um homem está batendo a cabeça enquanto tapa os ouvidos. Uma criança chora no telhado de uma casa.

Chung acorda. O sonho confuso lentamente dá lugar a uma cortina de hospital e o bipe ritmado vindo da máquina ao seu lado. Respira aliviada ao reconhecer o ambiente.

Tenta se levantar, mas sente dor. Tenta falar, mas a garganta queima. Sua visão não está nítida e ela tenta alcançar o botão da campainha, que costuma ficar no lado direito da cama. Uma mulher mais velha aparece e tenta falar com Chung. A técnica de enfermagem tem olheiras profundas e pisca devagar. Suspira quando Chung tenta gesticular.

— Tá bem, querida, não fala. Vou te dar uma coisinha pra te ajudar a dormir.

A enfermeira toca em seu braço. Subitamente, Chung não está mais deitada. Está de pé, trocando lençóis. Horas depois está numa cadeira tentando cochilar antes que outro turno comece, mas o tempo é curto e seu coração está acelerado. Toca o sinal. Levanta e sente dor no quadril. Ouve uma campainha e olha para si mesma deitada na cama. Chung volta ao seu corpo. A pistola injetora faz um clique e tudo parece perder a importância. Dorme.

O teto do hospital está descascando. Chung percebe isso e começa a se perguntar quanto tempo passou. O movimento dos membros retorna. Uma infiltração se parece com uma mulher gritando. Um bipe faz ela levantar a cabeça e ver que um homem, com um terno manchado e amassado, está ao lado da cama mexendo em sua própria interface.

— Harris?

— Parceira! Você acordou. Como tá a heroína da unidade?

— Como assim, o que aconteceu?

— Te encontraram caída no centro da manifestação. O chefe ficou muito impressionado. Tem gente falando que você vai presidir o ritual do próximo eclipse lunar. Como você fez isso?

— Eu... Eu não sei...

— Bem, é melhor pensar em alguma coisa. O chefe vai querer uma história.

— Há quanto tempo estou aqui?

— Três dias. Você acordou ontem, mas eu tinha ido ao banheiro. A enfermeira disse que você estava com muita dor e te deu um remedinho pra acalmar. Quem dera me acidentar e ganhar esses remedinhos.

— Há quanto tempo você está aqui?

— Eu convenci o chefe que podia ser perigoso te deixar drogada e sozinha depois daquilo. Você delirar e vazar algo importante, sabe? Eu não ia deixar minha parceira sozinha depois de tudo isso.

Harris sorri e Chung acredita em suas palavras. Não é a primeira vez que ele faz algo assim. Ela começa a se levantar e desconecta o soro.

— Ei, ei, esse tubo deve servir para alguma coisa!

— Eu não tenho dinheiro para ficar descansando num hospital. Agora dá licença para eu me trocar. Você trouxe uma muda de roupa? Onde estamos?

— Você que sabe, mas se você tiver um treco eu não me responsabilizo. Tem um uniforme na gaveta da direita. Estamos no Santo Lar.

Chung segura o uniforme em silêncio.

— Você devia visitar ela.

— Sim, eu sei.

Depois de colocar o terno limpo, Chung sente-se mais segura. As enfermeiras tentam convencê-la a ficar, mas o passo firme e o crachá da Black Pol abrem o caminho. Chung desce do andar com uma receita para combater a infecção e ordem de repousar.

No prédio dos fundos fica o lar dos cuidados permanentes. Os senhores no pátio tentam puxar conversa com Chung, mas ela acena e passa por eles sem falar nada. Harris está esperando para levá-la à sede da companhia.

Identifica-se na portaria e caminha pela ala, tentando se lembrar do caminho.

Logo escuta uma voz familiar:

— VOCÊS ESTÃO TENTANDO ME MATAR COM TODAS ESSAS AGULHAS! VÃO ROUBAR MEUS DENTES E VENDER PRA FAZER COLAR PROS RICO! EU NÃO VOU DEIXAR!

Enfermeiras de rosto fechado saem do quarto e passam por Chung. Ela respira fundo.

— Oi, mãe.

— Quem é você?

— Sou eu, Alice, sua filha...

— Ah sim, a ingrata. Senta aí se tem tempo pra sua pobre mãe.

— Como você está?

— Como eu estou? Quer dizer como eu estou depois que minha única filha me abandonou para curtir a vida?

— Eu não...

— Me tira daqui. As enfermeiras querem me matar. Elas querem os meus dentes. Elas sabem que meus ossos têm poder.

— As enfermeiras não querem te matar...

— Me leva contigo. Eu não preciso de muito espaço. Você nem vai me notar. Eu não me importo que você jogue no outro time. Eu tinha uma prima que usava terno. Eu jogava canastra com ela.

— Mãe, eu não sou...

— Não custa nada. Por que você faz isso comigo?

A senhora começa a chorar e gritar xingamentos desconexos.

— Mãe, eu não tenho como cuidar de você...

— Ingrata. Vão vender os meus dentes porque ela é ingrata.

— Não fala assim...

A senhora para de chorar e fala, ofegante.

— Enfermeira, eu não tô com fome!

Chung vai até a porta.

— Eu te amo, mãe.

Concreto ArmadoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora