C a p í t u l o 8

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Encarei a pintura realista da bela mulher de cabelos castanhos emoldurada em um dos corredores de destaque do palácio, seus olhos eram tão azuis quanto os meus, seu sorriso parecia sincero, meu sorriso nunca era sincero.

Já fazia uma semana desde a minha chegada aqui, em nenhum dos sete dias que se passaram Aidan tentou ao menos fingir querer uma conversa, talvez estivesse esperando eu ser a garota ideal, aquela que sabe como tomar um chá de maneira correta, ou que saiba se sentar sem deixar transparecer o peso morto que leva sobre suas costas, mas tecnicamente eu não era nada disso, ainda esquecia da boa postura ao caminhar e batia audivelmente a colher na xícara. Em um único momento a rainha Eva veio tomar chá conosco e disse que era tudo uma questão de costume, logo estaria adaptada a todo aquele mundo exigente e perfeccionista, na verdade não fazia ideia se realmente pertenceria a tudo aquilo.

—Brianna? — a voz de Zander me trás de volta a realidade. Encaro seu olhar questionador querendo entender o motivo pelo qual estava aérea, mas nem eu entendia a voz angustiante que gritava dentro de mim dizendo que ali não era meu lugar, saber de tudo aquilo não acrescentaria em nada na minha vida.

—Sim. — repondo tentado focar em seu rosto, ele estava de pé com um casaco em mãos, como se estivesse se preparando para sair. Nós não conversarmos sobre nada que envolvesse nossas vidas pessoais, era apenas sobre boas maneiras e como precisava exercê-las. Voltei a encara o quadro da bela mulher que carregava o colar que carreguei a minha vida inteira.

—Vocês eram bem parecidas, principalmente os olhos. —afirma Zander encarando o mesmo quadro na parede que eu, o quadro de Charlotte Decksheimer. Não erámos nada parecidas, ao menos eu queria achar que não, não podia ser comparada com alguém tão nobre quanto ela, era como se Charlotte soubesse onde devia estar e eu não fazia a mínima ideia disso. — Bem, hoje você estará livre, iremos ao encontro de parentes da família real no aeroporto, não se preocupe o rei pediu para que permanecesse no palácio.

Era nítido a vergonha que ainda causava ao rei, afinal passei uma semana enfurnada não podendo nem conhecer as ruas de Áster, Scarlet dizia que Aidan não se sentia pronto para apresentar-me a nação ásterniana, uma herdeira sem classe não seria bem vista para o povo, aquilo me abalava de uma maneira que eu não queria. Desde sempre aprendi a não depender da aceitação de ninguém, mas por qual razão precisava ser aceita por ele?

Ignorei qualquer coisa que Zander viesse a falar seguindo para um corredor com a intenção de não transparecer a minha revolta de estar aqui e não poder ser quem era, não fui criada em Áster, então claramente não possuía os costumes do lugar, as poucas coisas que sabia foram as que li, ou as que Scarlet me contou. Parei de caminhar sentindo lágrimas descerem pelo meu rosto, encostei minha cabeça na parede fechando os olhos com força, aquilo estava virando uma tortura, ser tradada como alguém que viveu uma vida inteira errada e precisava ser corrigida.

—Por que estou aqui? — pergunto para Zander, seu perfume invadiu o ambiente, então havia ficado claro que tinha me seguido. Respirei fundo abrindo os olhos para o encarar e lá estava ele com aquele olhar frio e a expressão indiferente, eu não tinha seu ódio, mas tinha seu aparente desprezo. — Para saber com qual colher se come salada? — debocho limpado meu rosto molhado com certa agressividade.

—Aqui não comemos salada com colher e sim com garfo. — ironizou com um sorriso de lado, ele pôs suas mãos nos bolsos da calça caqui voltando aquele olhar sério.

—Ótimo. Agora lembrei dessa informação tão importante. Mas ela não é nada necessária quando não se sabe nada sobre Áster, não faz diferença se gosto de comer salada com colher ou garfo, afinal eu nem gosto de comer salada. — questionei farta de todo aquele joguinho sarcástico que fazíamos, estava farta de não ter a mínima ideia de onde estava. — Não quero ser moldada segundo as regras daqui. Eu quero viver sentimentos que só Áster me permita sentir e acredito que não vá conseguir isso em uma mesa de chá.

—Brianna, acredite, eu entendo você, seguir regras nunca foi meu forte, porém precisei aprender, mas até hoje duvido de coisas que fui ensinado a ser ou fazer, só que ás vezes não se tem muita escolha. —disse caminhando em minha direção. Quando já estava perto o suficiente, senti seus dedos tocarem meu rosto e inevitavelmente meus olhos se fecharam, as pontas de seus dedos eram quentes e macias, como eu havia imaginado. Sua presença era imponente e a minha parecia insignificante, tanto que nem percebi que segurava minha respiração. —Não quero que siga todas as regras, quero apenas que entenda que se revoltar agora contra o rei não irá mudá-las. — seu polegar acaricia de maneira terna minha bochecha fazendo borboletas em meu estômago ficarem agitadas dando-me a impressão de euforia total. —Por isso, como conhecedor das regras, mas não seguidor fiel de todas elas, irei levá-la para conhecer o belo país do qual é herdeira. Porém eu não sou bom e não irei agir com bondade, certo alteza? —finalmente abro meus olhos diante da sua proposta, minha insanidade concordava com toda sua fala, mas minha consciência não, ele sempre agiu de maneira indiferente, o que havia mudado?

—Você ia ser rei e não é bom? — pergunto encarando seus belos olhos verdes, ele era indecifrável, suas ações sempre me pareceram imprevisíveis.

—É por isso que tenho um ponto de equilíbrio. — respondeu dando um passo para trás se recompondo, fiz o mesmo suspirando fundo. — Não irei participar do jantar esta noite com os parentes do rei, então temos das seis até às oito para conhecer um pouco do que é Áster. Seja sigilosa. — avisa com a seriedade voltando a reinar em seu semblante. Ignorei os batimentos acelerados do meu coração com a ideia de quebrar uma regra da qual eu nem sabia a existência.         

A Herdeira : PerdidaWhere stories live. Discover now