Chaves

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                                                                                       (...)

Acordei com meu celular tocando, abri os devagar. Tinham três ligações perdidas. Era do Pedro, meu irmão que mora em Santa Catarina,não via Pedro há mais de um ano e tinha uns quatro meses que a gente não se falava, desde o aniversário do papai. Me perguntei porque ele estava me ligando, mas aí logo me lembrei. O acidente. Pedro não pode estar presente no hospital devido a motivos de trabalho, ao menos foi o que ele disse. Agora ele resolveu ligar, dois meses depois. Nossa fazia mesmo muito sentido... Enquanto pensava nessa ironia o celular tocou de novo, era Pedro.

"Alô"

" Clarissa, como você está? Eu liguei para o papai esses dias, ele disse que você está melhor. Está mesmo?" parecia que ele estava apenas cumprindo um protocolo, como esses que ele faz no trabalho,

"Pedro. Quanto tempo, não é mesmo? Eu estou bem sim, obrigada. Já faz mais de um mês que saí do hospital" O sarcasmo por vezes era uma arma, um escudo também.

"Eu soube, papai me contou. Sabe que eu estive muito ocupado ultimamente, não é? Eu adoraria ter tido um tempo para te visitar, mas assim que puder estarei aí, espero que seja em breve. Vê se se cuida direitinho, ta bem?"

"Quando é que você não está ocupado, não é mesmo?Mas tudo bem maninho, afinal você ligou para saber como eu estava. Dois meses depois" a ausência dele era uma agulha esperando a carne.

"Escuta, pequena, eu não liguei para discutir com você. Acho melhor eu desligar se for para agir dessa forma. Fica bem ok? Eu estou aqui, viu. Até mais"

Eu ia abrir a boca e falar alguma coisa em minha defesa, mas tudo que ouvi foi o silêncio. Quis evitar o sal escorrendo em gotas no rosto, em vão. Quando eu achei que já era mais capaz de sentir nada, recebia essa ligação de Pedro e sentia meu corpo transbordar de ausência até desmoronar. Respirei fundo e fui até a cozinha, procurando algo pra comer. Não estava com fome, mas já era tarde e eu precisava me alimentar, precisava estar bem para voltar a treinar. Abri a geladeira e não tinha muitas opções.Peguei um pacote de biscoito já aberto e voltei para o quarto. Meu pai ainda não tinha chegado e já era quase dez. Vi uma mensagem sua, me dizendo que iria se atrasar e que eu poderia ir dormir antes dele, porque ele estava com a chave. Tão objetivo e prático, tão comum. Terminei de comer o biscoito e fui ver televisão, precisava fazer alguma coisa para me distrai, senão sucumbiria em meus pensamentos que me sugavam. Não encontrei nada que me prendesse a atenção. Deixei rolando um filme de suspense e na metade do filme o sono já batia a porta, nenhum sinal do meu pai. Percebi meus olhos me vencerem.

                                                             (...)

Enxuguei minhas lágrimas, pouco a pouco me soltei dos braços de Leo e levantei, disse que achava melhor eu ir para casa. Precisava descansar. Ele concordou disse que isso me faria bem e que qualquer coisa eu poderia o ligar a qualquer momento. Me aproximei dele e o dei um beijo. Suave, sereno, doce. Fez-me sentir em paz novamente mesmo em meio aquele caos interno. Disse que mais tarde mandaria noticias e que já estava indo.

"Tudo bem, meu amor. Assim que chegar manda mensagem e toma cuidado ok?" Disse com carinho e me deu um beijo na testa. Não tinha nada mais ao meu redor, só ele.

Nos despedimos mais uma vez, despedi também do seu primo e sai da sala. Fui direto em direção ao portão sem dar atenção aos olhares que me fitavam, andei o mais rápido que pude. Fui ao estacionamento, peguei minha bicicleta, saí dali o mais rápido que pude. No terceiro sinal, cerca de metade do caminho percebi que tinha esquecido minha mochila na sala do Léo, a contra gosto, eu tive que voltar para buscar precisava da chave de casa e com certeza meu pai não estaria lá. Respirei fundo, engoli a impaciência e voltei.

 Pedalei freneticamente. Tudo que eu queria era voltar para casa, me jogar na cama e apagar. Cheguei no ginásio outra vez. Fui andando apressada, com passos largos. Fui direto para sala dele. Fui por um caminho com menos gente, creio que poucos me viram. Cheguei e imediatamente abri a porta. Meus olhos saltaram,meu coração disparou parecia que ele ia pular para fora a qualquer momento. Não sei como permaneci de pé, de tanto que minhas pernas tremiam tanto parecia que eu ia me desfazer a qualquer sopro. Permaneci petrificada, não consegui dizer sequer uma palavra. As lagrimas tinha gosto metálico embebidas de ódio, amargura. Ela me viu. Seu sorriso era de vitoria, seu olhar tinha um brilho perverso. O fogo queimava tudo por dentro, até nao restar mais nada.

" Clarissa! "–ele exclamou desesperado ao se afastar de Talita.

"Não quero ouvir nada.Vocês me dão nojo! E você Leo,me esquece" esbravejei num ímpeto com a ínfima força que ainda me restava. Mas ainda sim permaneci paralisa, talvez ainda esperasse uma resposta plausível da parte dele, embora nada justificasse aquilo.

Eu sai dali o mais rápido que pude.Minha mente não fazia silêncio, meus pensamentos me moiam lentamente. Não conseguia entender, a dor que eu senti parecia que iria me fazer desmoronar. Leonardo vinha em minha direção, gritando meu nome. Não quis escutar, eu já não sabia mais quem eu era naquele momento. Peguei minha bicicleta no estacionamento e antes de sair ele alcançou e insistiu mais uma vez em falar comigo.


Do  outro lado da quadraWhere stories live. Discover now