Capítulo VI - Escolhendo Lados

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Mal o sol havia trazido seus primeiros raios ao horizonte, pintando-o em tons de laranja, rosa e lilás, e o silêncio da madrugada, que pairava sob as águas geladas do fundo do oceano tal como uma brisa de calmaria, já era quebrado pelas vozes alteradas de uma discussão que ressoava por quase todos os sete mares, agitando, com ela, até mesmo as ondas acima.
Não sendo isso algo rotineiro, – visto que a primeira e única vez que as sereias entraram em uma briga dessas proporções havia sido quatorze anos atrás, no dia da captura e morte de Ella, – toda e qualquer criatura, com exceção do grande Kraken que tinha seus tentáculos verdes ao redor da rainha em um gesto protetor, se distanciava rapidamente do local onde a reunião acontecia, querendo evitar o caos o qual sabiam que iria se instalar em questão de tempo.

— Não havia dois navios naquele dia e não houve um embate! Eu estava lá, eu vi, eu participei. Quantas vezes terei que repetir que Ella foi capturada por soldados do reino, e não por piratas? O homem está mentindo — com o desdém de costume, Cheryl insistia em defender seu ponto. — Ele fez uma ótima narrativa, devo admitir, super bem elaborada e com a dose certa de drama. Eu daria uma nota dez pelo esforço, mas faltou uma coisinha chamada "veracidade" para ficar completo. Coisinha essa que, surpresa! A pirata tem.  

Daryah não evitou um suspiro cansado com o tom da irmã, mas sustentou o olhar decepcionado da rainha para reforçar as palavras da ruiva, saindo em sua defesa: 

— Se houvesse acontecido um embate entre dois navios naquele dia, Pearl, nós teríamos ouvido os canhões — com a voz mansa, ela prosseguiu: — Além do mais, o fato de soldados entrarem em uma briga com piratas para salvar uma de nós não faz sentido. O que eles teriam a ganhar com isso?
— Desmond tinha um colar de pérolas negras. Vocês sabem que esse era o dom de Ella, e ela não teria dado tanta magia pra qualquer um se a pessoa não fosse realmente merecedora. Faz sentido que tenham tentado salvá-la. — Pearl começou, não evitando de carregar a voz com desprezo ao continuar: — Não posso acreditar que a esteja defendendo, Daryah. Há um motivo de não termos comprado a história de Cheryl no dia — os olhos vermelhos faíscavam em raiva por ser contrariada.
— Kiara tinha pérolas negras também. E, uau, uma bandeira com uma caveira no centro enrolada à uma adaga jogada ao mar no exato ponto onde a captura aconteceu, esse é o seu grande motivo para não acreditar em mim. Foi colocada ali para culpar os piratas, minha querida rainha. Daryah está me defendendo porque sabe que eu estou certa. Você também deveria saber — a ruiva rebateu, retomando a atenção para si. — E pare de se referir a mim como se eu não estivesse aqui. 
— Três pérolas de uma pirata contra um colar inteiro delas de um soldado. A conta é simples: é muito fácil imaginar um cenário onde a mulher as tenha roubado. Você está tão desesperada para que eu acredite em você, a ponto de esperar que o fato de uma pirata contar a mesma versão da sua história me convença de que ela é verdadeira, Cheryl? — A rainha não segurou uma risada, dirigindo seu olhar para a mais nova. — Isso só te descredibiliza ainda mais. 
— E desde quando Ella era tão caridosa a ponto de sair dando tantas pérolas mágicas para alguém? — Cheryl rebateu. — É muito fácil imaginar um cenário onde ela tenha dado três delas de bom grado ao pai da pirata que tentou salvá-la e que tenha sido obrigada a produzir mais para o reino, antes de morrer, ao ser capturada — Finalizou, imitando com ironia o jeito de falar da rainha.
— Os soldados não teriam como obrigá-la a fazer nada, Cheryl. E, Pearl — Daryah rebateu a ruiva e então se voltou à mais velha, deixando as palavras soarem outra vez, controladas, quase apreensivas: — Fui eu quem ouvi a história da pirata, e posso afirmar que cada palavra dita foi sincera. Se havia uma mentira ali, nem mesmo ela poderia saber, afinal, não foi ela quem vivenciou o fato ocorrido. Tampouco o soldado. Os dois tiveram a história passada à eles por terceiros, bem como as pérolas. 

Um grande silêncio se fez presente no ambiente enquanto as sereias se encaravam. A tensão era quase palpável, afinal, as opiniões divergiam. Pearl não parecia inclinada a aceitar o lado oposto, e Cheryl, igualmente, não parecia querer dar o braço a torcer. Daryah, por ter sido o pilar daquele pequeno confronto, – uma vez que trouxe à tona a versão da pirata, enquanto sua rainha tinha ouvido a do soldado –, tentava mediar a discussão para que elas não chegassem ao ponto de tomar lados opostos em uma possível guerra.

Sea Mission [Concluído]Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz