[0.0] prólogo.

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Observar.

Uma dádiva vista nos amantes dos detalhes minuciosos tanto quanto um infortúnio para aqueles que querem sanar suas curiosidades e acabam por se decepcionar no final da jornada. Existem muitas relatividades que se encaixam nesse termo que oscila do adjetivo ao verbo.

É inevitável desbravar novos mares sem executar o ato de observar. Se faz preciso, cautelosamente, enxergar o humor climático, a existência ou a escassez das aves, o modo como as velas se movem através do sopro do vento. Cada singela matéria é de extrema relevância.

Observar vai além dos parâmetros do significado narrado pela maioria. Não é um simples ato de olhar em volta. Mais se assemelha à subir em uma árvore, no meio de uma aglomeração massiva e histérica, se arriscando cair para enxergar o que vêm além do horizonte. E como nos livros de história, em contos ficcionais ou não, o oásis só pode ser encontrado dessa maneira.

A mercê dos riscos, ao traiçoeiro acaso.

Um dos fatores que mais contribuiu para que Portugal e Espanha descobrissem o caminho para as Índias foi a expansão marítima desenfreada — além de seus interesses mercantilistas dos dois países. Naquela mesma época pessoas ainda acreditavam em monstros marinhos, pela falta de inúmeros retornos dos marinheiros que iam em missões e não voltavam. Se não fosse por conta das ambições torrenciais, era demasiadamente presumível, que essa suposição macabra sobre os enigmas marítimos nunca fosse desvendada.

Primeiro Bartolomeu Dias, após isso, Vasco da Gama para finalizar sua tarefa.

Em 1500, no ano em que o vasto Brasil foi — decadente e, melhor, injustamente — avistado pelos sórdidos olhos de um homem chamado Pedro Álvares Cabral, uma esquadra comandada pelo mesmo, partiu com o objetivo de fazer comércio em larga escola com o Oriente.

Acabaram esbarrando no litoral de um novo e desconhecido continente, a América, quando avistaram terra na costa do que mais tarde seria o Brasil.

Cochicham pelas bandas desse enorme país repleto de diversidade cultural e uma riqueza inestimável, que se, por acaso, ele não tivesse sido descoberto pelo tal homem branco português, talvez, seus antecedentes não existissem e essa sopa de miscigenação na população brasileira seria apenas uma mitologia.

Em partes, esse fato poderia até ser verdade, mas não anulava outros pensamentos, como por exemplo, a síntese concreta de que todo esse cultivo de raças e etnias diferentes nascidas da mesma terra, teve o sangue, suor e muito, muito sofrimento dos primeiros viventes daquele local.

Se não for de enorme ofensa aos múltiplos conservadores da história brasileira, o paciente zero desse vírus chamado "O Descobrimento do Brasil", com toda certeza, foi um nativo.

De apenas um infectado, vários outros foram forçados a participar do contágio brutal. Ouro extraído, roubado. Perda da independência, do espaço, do significado do pó de suas existências. Uma ruptura em suas identidades gerou outras raças misturadas.

Muitos seres pensantes se permitiam questionar sobre esse assunto. Jimin, fazendo parte desse conjunto de espécime raro, sempre abrangido pelos livros e pôsteres de seu quarto, se perguntava o porquê de acharem aquele ponto de entrada na história brasileira mais atrativo.

Sua conclusão franca sobre aquilo, era que, embora tivessem distinções belíssimas, o sangue de outras pessoas pesavam nos trajetos de seus passados. Ou seja, não deveria ser uma história de como um continente colossal foi descoberto, mas sim invadido.

Todos foram colonizados em sua própria terra. Em sua própria nascença. Escravos dos pálidos homens que chegaram de repente.

Aquela observação deixava Jimin encabulado e o mantinha quieto em meio a multidão. Não sentia a menor vontade de escalar uma árvore para enxergar o horizonte e achar um oásis que fosse trazer destinos irreparáveis.

Por esse motivo, com todas as suas resistência, ele definitivamente não costumava reparar em nada que não fosse considerado importante.

Consequentemente, tudo era facilmente esquecido, porque a rotina de sua vida modesta no amado Rio de Janeiro, vivia das famosas figurinhas de futebol repetidas que não serviam para nada além de trocar com estranhos ou jogar fora.

E, nesse ciclo vicioso de esquecimento, foi preciso se locomover para um lugar fora da sua própria realidade, para, então, perceber que alguns oásis valiam a pena. Sua utopia começaria no meado daquele ano.

Em julho. Julho de 1983.

julho de 1983 • jikook.Donde viven las historias. Descúbrelo ahora