Capítulo 3 - Eliza

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A tela acesa a minha frente parece debochar de mim, assim como os milhares de boletos espalhados sobre a mesa, enfiados nas gavetas, nas bolsas e na minha caixa de e-mail. Todos vencidos, todos implorando para serem pagos, e eu aqui, ainda sem um real furado no bolso. Como dizia minha avó, mais dura que pau de tarado. O notebook emprestado é lento, mas serve ao seu propósito.

Depois de dormir mais de doze horas seguidas, na terça-feira, acordei com a cara inchada de tanto chorar e dormir, mas me sentindo muito melhor do que na segunda. Alguns dias são realmente piores do que outros. Mas é como dizem, depois da chuva, sempre vem o sol. É com isso que eu conto, embora torcendo para que quando ele chegue, não saia queimando tudo e transformando em deserto, porque na minha vida, já está chovendo há tanto tempo, que se o sol quiser equilibrar as coisas, o resultado provavelmente vai ser trágico.

O que me acordou do meu sono de ignorância na terça-feira foi um telefonema. Daquela vez, não era minha mãe, mas a Sheilla, um colega que trabalhou comigo no meu último emprego, e com quem eu às vezes conversava pelo facebook. Da última vez que nos falamos eu disse que as coisas estavam complicadas e que eu estava procurando qualquer coisa, desde que fosse digna.

O celular tocou debaixo do meu travesseiro e eu atendi ainda de olhos fechados, recebi um boa tarde animado de volta, de uma Sheila me dizendo que tinha conseguido uma faxina para eu fazer. Naquele momento, eu quase ajoelhei para agradecer. Uma faxina poderia até não pagar as contas, ou comprar minha tão sonhada lasanha, mas me impediria de passar fome. E ainda que eu queira, desesperadamente, um emprego fixo, e que ser empregada doméstica não seja meu grande objetivo de vida, eu não tenho medo de trabalho honesto, principalmente de um que vai colocar comida na minha geladeira.

Desde que cheguei à São Paulo, já fiz de quase tudo que se possa imaginar. Já fui manicure, mas minhas clientes não concordaram com a frase que dizia que a prática leva à perfeição, já que não importava quantas unhas eu fizesse, continuava tirando bifes, até que eu não tinha mais nenhuma cliente. Já fui atendente de telemarketing, mas, aparentemente, eu sou péssima em cobrar dinheiro das pessoas, mesmo tendo um roteiro para seguir, ficava com pena e nunca conseguia bater a meta, resultado? Demitida de quatro empresas diferentes, depois, mais ninguém da área quis me contratar.

Eu também já trabalhei como atendente de fast food, só que por mais que eu precise muito do emprego e do mísero salário mínimo, você sabe o que é carma? É aquilo que não importa o quanto você fuja, sempre vem atrás de você! O meu se chama chefes prepotentes e arrogantes, e quem é que consegue tolerar um gerente de fast food que se acha o poderoso CEO?! Deus, eu não! E aí está, cinco demissões em cinco redes diferentes e bum! Marcada como uma má profissional, como se eu fosse a problemática.

Com os olhos cansados e o corpo travado por estar na mesma posição pelos últimos vinte minutos, encaro o milésimo e-mail que estou enviando essa semana, o título? Vaga para vendedora. Nisso eu ainda não tenho demissões suficientes para ser descartada como uma boa candidata, mas também não tenho nenhuma experiência para ser considerada uma boa candidata, mas a verdade é que eu estou atirando para todos os lados.

Não é como se eu pudesse escolher o emprego que quero, eu vejo a vaga, verifico os requisitos, se eu me encaixar, envio o currículo, se não, passo para a próxima. Com um olhar já treinado de tanto fazer a mesma coisa, confiro na tela do computador o endereço de destino e o arquivo anexado, meu extenso currículo de apenas uma página, a mensagem curta de apresentação no corpo do texto, e clico em enviar. A página atualiza, mas depois de tantas tentativas e nenhum retorno, custo a acreditar que algum desses currículos vá dar em alguma coisa, envio só porque não tenho nada melhor para fazer, afinal, meu checklist da falência está para lá de completo:

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