Um

25 4 0
                                    

Medéia.

A mulher que ganhou seus primeiros suspiros pelas palavras de Eurípedes, na Grécia Antiga, como filha de Hécate. A mulher traída. A assassina de seus próprios filhos.

Vingativa, Medéia.

Maldita, Medéia.

Suja, Medéia.

Fascinante, Medéia.

Porém, a história não se trata da Medéia de Eurípedes, esposa de Jasão. Trata-se de Medéia Angelle, imigrante francesa, atriz amante do Bardo e de muitos outros que a encantam; Medéia que ora é Julieta, ora é Katherine, ora é Antígona, chega até mesmo a ser Medéia, a outra, ela quase nunca se veste dela mesma. Lembra-se que foi a virgem Maria por alguns anos. Medéia não era de Jasão, não era de Eurípedes. Ela era dela mesma, entregue às fases da sua própria vida, cedendo apenas a briga contra os prazeres da própria carne.

Mas, naquela manhã, Medéia era a Senhorita Angelle, professora de francês na escola comunitária Brontë para mulheres sufragistas. Também costumava ensinar garotinhas a lerem e escreverem, a se expressarem. Tudo com o apoio imprescindível do proibido movimento sufragista inglês.

​- Senhorita Angelle! – Edith, uma senhora viúva muito tímida, chama a sua atenção.

​- Sim, mademoiselle Crowford? – Vira-se nos calcanhares para fita-la, indagando com o seu forte sotaque francês.

O rosto maduro possuía muitas marcas de queimadura, testemunhas da violência doméstica que costumava sofrer antes do seu falecido marido padecer bem no banheiro de sua casa. Aquele havia sido o ultimo dia que Edith apanhara, e a deixou com sequelas para toda a vida. Ainda sentia a água fervendo voar na sua face quando fechava os olhos, destruindo qualquer resquício de sua vaidade.

​- A aula foi incrível, senhorita, francês é uma língua belíssima! – Comenta com um sorriso no rosto rosado.

​- Está se saindo muito bem, não me admira se em poucos meses atingir a perfeição. – A moça responde docemente apoiando suas mãos nos ombros largos da senhora Crowford.

​- É muito generosa, senhorita Angelles. – O sorriso tímido da senhora se alarga. – Quando será a sua próxima apresentação? As outras moças e eu estamos ansiosas para vê-la atuando.

​- Hoje, o Teatro de Pittsburg apresentará Roméo et Juliette... – Anuncia sorrindo de leve.

​Samantha Adler, uma mulher esguia, com os cabelos tão dourados quanto o sol, entra na pequena sala em que Medéia e Edith conversam. Não parecia ter muito mais do que trinta anos, e é a líder das sufragistas, tinha traços quase felinos, a dando um ar naturalmente impetuoso.

​- Romeu e Julieta, Angelles? – Pergunta se encostando na parede com um leve sorriso no seu rosto pontiagudo. – Chame-me quando optar por uma obra mais exótica! – Medéia a encara com as mãos na cintura. – Não gosto de Shakespeare, você é uma atriz incrível, mas não consigo mais escutar horas de uma peça sexista.

​- Sam, está cometendo um anacronismo. – Sorri enquanto explica para a amiga. – Reconheço la problemátique, e concordo com você, mas gosto das obras do Bardo, você ao menos leu os livros que a emprestei?

​ - É evidente que sim, estava absurdamente entediada, e é preciso ter propriedade para se falar mal de algo. – Provoca.

​- Não seja má, Samantha! – Adverte Edith, que tinha se mantido calada, até então. – Nós iremos. Reserve os nossos lugares! – Medéia assente.

Vai até a sua pequena mesa e recolhe os livros que ali haviam, volta a vestir os saltos desconfortáveis, tentando se equilibrar enquanto os calçados cobriam os seus pés. Sai do esconderijo das sufragistas cumprimentando as garotas educadamente, exibindo um sorriso alinhado. Logo está nas ruas de Londres, caminhado entre a multidão agitada, observa a as cafeterias bem frequentadas por mulheres muito ricas e seus maridos com alguma posição social relevante, os filhos se entupindo de docinhos e as babás preocupadas. Era tudo típico demais.

Aquela era a parte mais rica de toda Londres, e Medéia sabia que algumas pessoas a olhavam feio devido as suas roupas baratas e sem tanta cor, o que destoava completamente das vestes bem ornamentadas e coloridas das moças que ali passavam apenas para voltar até as suas carruagens. Aquele era um dos únicos locais em que poderia se ver carros movidos a motor, mas as carruagens ainda eram muito usadas.

Medéia sempre sorria ao olhar para um carro, achava incrível. Por mais que não fizesse a mínima ideia de como funciona, adoraria conduzir um algum dia.

O Teatro Pittsburg era localizado em uma parte menos favorecida financeiramente de Londres, normalmente era frequentado por senhores e senhoras de classe média. Lá também estavam as festas mais hedonistas de toda a cidade, normalmente frequentadas pelos homens aristocráticos que negariam veementemente que estiveram ali.

Um belíssimo exemplo, era o jovem Romeo Fitzgerald, filho do Lorde de Welstchester, e um devasso incurável, um cigarro brincava em seus lábios sorridentes enquanto ouvia Peter O'Conell, o seu amigo mais antigo, um economista renomado de Londres, falar sobre as coisas incríveis que viu na sua viagem recente para a Alemanha. O carro era conduzido pelo próprio Peter.

​- Romeo, meu amigo, quanto tempo ficará em Londres? – pergunta.

Romeo passa os dedos nos cabelos escuros, que caíam nos seus ombros suavemente, os fios moviam-se descontroladamente por conta do vento. Leva a mão até o cigarro, o retirando dos lábios rosados e soprando a fumaça com tranquilidade.

​- Meu pai praticamente me expulsou de Welstchester, após alguns pequenos escândalos com o nome Fitzgerald, devo retificar, tudo não passa de boatos mentirosos, foram alguns errinhos esporádicos, nada para se envergonhar. – Sorri enquanto mentia. – Não fiz metade das coisas de que sou acusado... bom... ao menos não têm como provar metade das coisas que estão me acusando.

​- Você não tem conserto, Romeo. – brinca o seu amigo.

​- Não estou quebrado, Peter, nunca estive! – brinca de volta, arrancando uma risada nasal do médico. – Dessa forma você até me desanima.

​- De todo modo, espero que as moças do Gellert's Home o animem outra vez.

Passaram pelo Teatro Pittsburg no momento em que a jovem Medéia Angelles riscava o grande quadro na frente do local, sua letra era caprichosa e legível, escrevia devagar com o giz:
"Esta noite, apresentamos Romeu e Julieta, um clássico escrito por William Shakespeare!
Ingressos na bilheteria"

Assim que os olhos escuros de Romeo a encontraram corrigindo algumas palavras que se enganou e havia escrito na sua língua nativa, ele se engasga um pouco com o trago errado do cigarro, o tirando de seus lábios para tossir. Pede que Peter pare o carro imediatamente, e a observa tomar distância para que possa enxergar todo o seu trabalho melhor, os cabelos longos estavam soltos balançando contra o vento, as bochechas rosadas e os lábios cheios contrastavam no rosto pouco bronzeado. Romeo pôde sentir o seu estômago contrair-se e suas maçãs da face queimando, a havia achado especialmente bela, apesar das vestes simples, tinha as feições de uma rainha, ele pensava. Era um homem de muitas paixões, sempre iam e vinham, e começavam exatamente da mesma maneira: as bochechas coradas, o estômago com milhares de borboletas, e as mãos suadas.

Era dessa maneira que Romeo Fitzgerald gostava de levar a sua vida agitada, adorava estar apaixonado por todas as mulheres que dormia, até não estar mais, então não tinha mais graça, e ele procurava a próxima paixão que encantaria o seu coração fervente.

​- Peter, hoje vamos ao teatro!

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Apr 23, 2021 ⏰

Adiciona esta história à tua Biblioteca para receberes notificações de novos capítulos!

GREEK TRAGEDY || TRAGÉDIA GREGAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora