Notas da Autora

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Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará

sua forma definitiva e concentrada no espaço.


Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível que lhe deres:

Trouxeste a chave?

- Carlos Drummond de Andrade, "Procura da Poesia"


Este livro começou com um sonho.

Não um sonho figurativo, mas um literal, onde acordei ainda com a impressão que era uma criatura alada cuja as asas foram quebradas e lançadas no espaço...

Estou me adiantando um pouco.

Existe algo curioso sobre os sonhos: eles nunca tem início e raramente tem fim, são fragmentos de quimera flutuando no limbo. Ninguém possui um sonho por inteiro. Este sonho não foi exceção, ele foi a farinha que usei para montar o bolo. Apenas uma parte de um todo, ainda que uma parte essencial. O início e o final, que me foram negados pelo limbo, tiveram que crescer na minha mente. Talvez a metáfora correta para este sonho não seja a farinha e sim a semente, de onde surgiram galhos e nasceram frutos. Frutos que podem ser levados pelas aves. Este é um ponto importante a ser tratado: este livro não tem um final feliz e talvez nem tenha um final em si.

Pelo menos, não necessariamente.

Outro ponto curioso sobre esta história é se desdobrar em um dos pedaços de terra mais ignorados do ocidente. No meu pequeno fragmento de sonho, o que vi foram cadeias de montanhas, lagos espelhados e florestas de pinheiros. Qualquer canto ao norte do México ou terra do Reino Unido me seria fidedigna. Escolhi o País de Gales pelo menos motivo que um professor se sentaria com o aluno mais solitário da turma: pelo sentimento incômodo e irracional de vê-lo ignorado. Toda pesquisa me parecia escassa e as referências eram pouquíssimas, de forma que o trabalho para embasar este livro de forma mais ou menos sólida foi pelo menos o triplo do que já tive ao começar qualquer outra obra e isso não me impediu de me sentir insatisfeita com o resultado. Mas cada nova dificuldade que tinha, mas ferrenha na convicção de usá-lo me tornava.

O sonho deu-me um estranho em apuros e eu dei-lhe uma terra desconhecida e ignorada, e eles agarraram-se um ao outro de uma forma inusitada, como os líquen agarram-se aos troncos. O sonho também deu-me o sol e a chuva para mantê-los com vida, mas isso virá ao seu tempo.

O que interessa saber por hora é que esta é uma história feita de fragmentos. Fragmentos de sonho, fragmentos de terra e fragmentos de gente. Desta forma, não é de esperar inúmeras minúcias do passado e do futuro além decorrer da trama. Não forçarei nenhum poema para além do limbo. Este livro funciona como um quadro, uma pintura capaz de pegar apenas uma pose, sobre uma certa luz e uma certa sombra. O que acontecer além do quadro serão as mil faces secretas sob a face neutra, e permanecerá no mistério inato a si mesmo ou na mente do leitor para onde quer que as raízes dessa semente cresçam.

Espero que aproveitem os frutos.

Circe.

Lamentações das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora