Capítulo 9: O Primeiro Dia

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O final de semana foi excepcional. Ainda na sexta, logo de saída, sua mãe pediu uma pizza gigante de pepperoni, a favorita de Tommy. Até sua tia veio vê-lo e trouxe uma torta de maçã para sobremesa. A mãe de Tommy ficou tão feliz que chorava sem parar, enxugando suas lágrimas com um lenço vez ou outra. Rachel foi visitá-lo no sábado, conforme prometera e os dois saíram para um jantar especial, pago por ela. Tommy estava liso e ainda tinha um mês pela frente até receber seu primeiro salário, embora boa parte dele fosse para ajudar nas despesas com a casa. Algumas contas estavam atrasadas e sua mãe estava muito preocupada com isso. A contribuição de Tommy fazia muita falta, mas agora, com o novo emprego, as esperanças se renovavam e ele poderia voltar a sonhar, mesmo que aquele trabalho não fosse o que realmente queria. Intimamente, sentia-se mais confiante, pelo simples fato de voltar ao mercado de trabalho. Apesar de seus temores quanto a gostar do novo emprego, o dinheiro que receberia como salário, possibilitava projetar um futuro mais promissor e menos sombrio do que sua mente maníaca depressiva volta e meia insistia em vislumbrar. 

A mente de Tommy funcionava com imagens. Todos os acontecimentos atuais eram projetados anos à frente, com inúmeras possibilidades, tanto boas como más. Ele não conseguia controlar esses pensamentos e alguns até poderiam chamar isso de devaneio, caso não fosse tão criativo. Tommy tinha a capacidade inata de criar. Criava qualquer coisa em sua mente. Coisas, pessoas, situações, acontecimentos, músicas, invenções científicas, fantasias alienígenas e histórias malucas e sem pé nem cabeça. Pelo menos, assim imaginava quando era pequeno, mas com o tempo descobriu que essas imagens mentais eram o que ele tinha de melhor e o que o seguravam de depressões recorrentes.

Seus períodos depressivos eram ocasionados por diversos motivos. O estopim poderia ser uma simples expectativa frustrada sobre algo que não aconteceu a questões mais filosóficas e profundas, como o futuro da humanidade. Tommy era altamente suscetível a frustrações de todo tipo e incrivelmente sensível à música. Por ter um temperamento musical tão volátil, para desespero de Rachel, evitava a todo custo ouvir baladas românticas e músicas tristes, pois isso invariavelmente derrubava o seu astral. Era como se ele fosse um pássaro sendo abatido em pleno vôo por um caçador.

Por outro lado, a sensibilidade extrema lhe garantia uma perspicácia e um senso espacial tremendo. Nada passava despercebido de seus olhos e de sua percepção sensorial. Tommy era uma antena multi-direcional, atenta às mais variadas nuances de um ambiente. Talvez essas qualidades fossem úteis para seu novo trabalho, mas e a criatividade? De qualquer modo, teria sua pergunta respondida muito em breve, pois a segunda-feira se aproximava rapidamente.

Logo chegou domingo e sua ansiedade junto com ele. Tommy não conseguia parar de pensar no dia seguinte. De tão ansioso, devorou a torta de maçã que sua tia trouxera, antes do final do dia. Rachel ainda veio visitá-lo, mas não ficou muito tempo, pois tinha que voltar pra casa para estudar. O Dr. Cross a pediu que fizesse um levantamento de drogas experimentais que pudessem controlar ou pelo menos retardar o rápido desenvolvimento de tumores da região pineal. Segundo Rachel contara, os médicos da equipe suspeitavam de que o último paciente tivesse algum tipo de glioma ou mesmo um linfoma, mas ainda não estavam muito certos disso. Dessa vez Tommy sentiu um certo alívio ao se despedir de Rachel. Aquele papo sobre câncer lhe dava calafrios.

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O domingo terminava, mas a ansiedade de Tommy estava apenas começando. Antes de dormir, separou a roupa que ia usar no dia seguinte, deixando-a em cima da cadeira de sua escrivaninha. Também separou sua carteira, seu relógio - um que tinha ganho de Rachel a 5 anos atrás -, conferiu seu documento de aprovação, deixando-o junto da carteira e foi escovar os dentes.

Deitado em sua cama, começou a refletir em tudo o que aconteceu no último mês. Sua saída da produtora, sua vingança contra David quando invadiu os servidores da empresa, a insistência de sua mãe com o concurso, aquele hacker entranho que invadiu o computador de Lang, a foto misteriosa que encontrou nas coisas de sua tia e o fato de ter passado no concurso da CITU. Isso sem falar naqueles sonhos malucos que tinha de vez em quando. Sem dúvida foi um mês atribulado e estranho, muito estranho. Mesmo assim, Tommy sentia-se feliz pela oportunidade de ter uma vida nova, de estar em um trabalho diferente de tudo o que ele já tinha feito antes. E isso de fato, era muito estimulante para ele. Tão estimulante que não conseguia dormir de jeito nenhum. Centenas de pensamentos entrecortados com imagens hora reais, hora fictícias, explodiam em sua mente imaginativa. As horas passavam lentas, mas passavam. A cada meia hora consultava seu relógio no criado-mudo. Mais meia hora e consultava seu iPhone para checar as horas e ver se realmente não tinha esquecido de acertar o despertador. Para o seu próprio bem, ajustou os dois despertadores caso um deles falhasse. De um lado o Deck com o iPhone e do outro o relógio, marcando seus “tic tacs” sincopados noite adentro. Meia noite, uma hora, uma hora e trinta minutos, duas horas e o sono não vinha.

Tommy começou a ficar irritado e colocou o fone de ouvido. Buscou alguma banda com um som mais tranqüilo no celular e apertou play. Sua mente não parava de flutuar em sonhos impossíveis, mas pelo menos agora tinha algum foco, mesmo que nonsense. E assim acabou adormecendo às quatro e meia da manhã.

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Antes de o silêncio matinal ser interrompido pelo som pesado do AC/DC, Tommy já estava acordado esperando. Levantou-se com a sensação de ter passado a noite em claro, tal a leveza de seu sono. Sentindo-se bem ou mal, hoje era o dia. Tomou uma chuveirada quente e recobrou seu ânimo do dia anterior. Desceu para a cozinha, onde sua mãe já o aguardava com uma xícara de café quente.

- Bom dia filho - disse Leah animada.

Embora estivesse feliz, Tommy limitou-se a dizer um oi xôxo e sem graça. Sua mãe já estava acostumada com seu mau humor matinal e não se importou com a resposta. Tommy bebeu seu café como se fosse um elixir revigorante e comeu duas fatias de pão com manteiga na chapa. Tudo isso em menos de 10 minutos. Pegou sua mochila, checou seus pertences, ajustou o celular em uma de suas seqüências musicais favoritas, verificou os pneus de sua bicicleta e se pôs na rua descendo as escadas de sua casa com a bike em punho. Despediu-se de sua mãe com carinho e partiu como se estivesse em uma competição ciclística.

O ar da manhã estava fresco e ainda havia alguma névoa pairando sobre as ruas. O vento frio em seu rosto e as ruas vazias, davam uma gostosa sensação de poder ao jovem que amava a liberdade. Mesmo não gostando de levantar muito cedo, aquele momento era muito apreciado por Tommy. Ele sabia que apenas alguns minutos depois, aquele ar bucólico desapareceria e daria lugar ao caos do trânsito nova-iorquino. Era interessante observar a vida nas ruas enquanto pedalava. Apenas uma hora antes e a noite perigosa de Manhattan. Logo depois irrompia o trânsito caótico que só desapareceria parcialmente depois das nove horas da noite. Aquele momento era um gap, um lapso de tempo que apenas ele e alguns outros raros ciclistas conheciam. Aquele era o espaço temporal da velocidade. Uma teoria informal própria, adaptada da teoria da relatividade de Einstein, um de seus cientistas favoritos.

Tommy chegou ao prédio da CITU e acorrentou sua bike no estacionamento de bicicletas na calçada. Estava suado e ofegante. Registrou seu tempo no relógio de pulso e notou que ainda faltavam uns 40 minutos para abrir. Embora a recepção do prédio estivesse aberta, não eram oito horas. “Que horário estúpido”, pensou, mas caiu em si quando se lembrou de que não estava mais em uma produtora web. Enquanto esperava, folheou algumas revistas em uma banca de jornais que acabara de abrir e depois tomou um cappuccino em uma lanchonete do outro lado da rua. Enquanto bebericava e lia uma revista, consultou as horas e levou um susto ao ver que o relógio marcava oito e dez.

- Eu não acredito que consegui me atrasar chegando adiantado! - vociferou consigo mesmo enquanto dava uma moeda para o balconista. Definitivamente a hora mental de Tommy era diferente da maioria. Ele mesmo não se conformava muito com isso.

Atravessou a rua já lotada de carros com dificuldade e depois correu pelo calçadão em direção ao prédio. Na recepção, tirou uma foto, registrou seu documento de identidade e foi para o elevador. Bufando, apertou seu andar. Seu coração batia forte no peito. Podia ter acontecido tudo, menos chegar atrasado no primeiro dia.

CD - ConexõesWhere stories live. Discover now