1. Cidade dos Anjos

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Os primeiros humanos a existirem nasceram puros, enviados por Deus. Eram como anjos no paraíso, considerados os favoritos do Pai Celestial. Eles desfrutavam de privilégios e prazeres imensuráveis e viviam de valores como: humildade, diligência, caridade, paciência, generosidade, temperança e, sobretudo, castidade.

Até conhecerem os pecados. O primeiro deles? A luxúria.

O primeiro demônio existente foi responsável por corromper as primeiras almas puras e expulsá-las do paraíso, trazê-las à Terra. Torná-las mais humanas. Os anjos tentaram impedir a disseminação da heresia e da existência dos demônios, mas foi em vão. Depois do primeiro pecado vieram os outros seis: a preguiça, a vaidade, a avareza, a inveja, a ira e a gula. E esta se tornou a função dos demônios na Terra: converter os humanos em exímios pecadores.

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Mais de 300 mil anos depois, a mais famosa via de São Paulo, a Avenida Paulista, era palco para que Bianca realizasse seu trabalho. Era o cenário perfeito. Em meio ao caos, ao estresse e à correria, qualquer um era suscetível a um pecado. Debaixo dos óculos escuros, o seu acessório favorito para se disfarçar entre os humanos, ela procurava quem seria seu próximo "cliente" – assim costumava chamar.

E lá estava. Um homem sentado à mesa externa do restaurante, com o cardápio em mãos, se perguntando se já não havia comido demais. O característico sorriso travesso de Bianca surgiu em seu rosto e ela assumiu sua forma invisível e seus olhos em íris vermelhas para sussurrar ao pé do ouvido da vítima:

– Eu sei que você quer mais – o homem seguia olhando para o cardápio, em uma torturante indecisão. As frases da demônia se misturando com seus próprios pensamentos. – Sabe, não há problema algum, você pode comer o que quiser. Tudo parece estar tão delicioso.

– Tudo estava tão delicioso – ele repetia para si mesmo, sendo influenciado pela voz de Bianca em sua mente.

– Isso, não se preocupe. Chame o garçom e peça tudo o que desejar.

– Garçom! – Quando o rapaz de avental se aproximou, o pecador comunicou: – Quero mais dois pratos deste que comi e, como sobremesa, a maior torta de chocolate que você tiver.

– Sim, senhor.

O garçom se afastou e o homem suspirou, refletindo:

– Isso vai ficar caro.

Agora, observando sua vítima de frente, com um pé apoiado no poste, os braços cruzados e os óculos no topo da cabeça, Bianca riu sarcástica.

– Não seja avarento. Vai acabar indo para o inferno – em seguida, olhou para o lado e notou uma possível nova cliente a metros dali, recolocou os óculos no rosto e se afastou. Pelo jeito, aquele seria um dia agitado. – Falando em avareza...

Seus olhos faiscaram em um vermelho ainda mais intenso por trás dos óculos escuros, enquanto seguia seu próximo alvo pela multidão. Não demorou para a oportunidade perfeita de se aproximar surgir. Em uma velocidade imperceptível aos olhos humanos, atravessou o mar de pessoas e passou a caminhar ao lado da mulher que vestia roupas de grife. Mais à frente, uma pequena família de pedintes havia chamado a atenção de sua cliente. Bianca colocou a mão sobre o ombro da mulher e sussurrou, deixando que o vento levasse as palavras à mente da humana:

– Você não precisa dar o seu dinheiro se não quiser – enfatizou o possessivo. – Pra que gastá-lo com outras pessoas? Imagine se for ajudar a todos.

E com um estalar dos dedos, evaporou-se no ar, aparecendo novamente sobre um dos muitos prédios espalhados pela Avenida Paulista, onde poderia observar o resultado de seu trabalho. Sorriu maliciosa ao ver a mulher virar o rosto e empinar o nariz, passando direto pela família que pedia por ajuda, tendo em seu rosto uma clara expressão de desprezo.

Não Se Perca No Céu Where stories live. Discover now