O Ladrão do Supermercado

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Eu estava no mercado e o dia estava lindo e solar, aquela luz artificial atrapalhava um pouco meu astigmatismo e pra meu azar tinha esquecido o óculos em casa. Observava atentamente as informações nutricionais do extrato de tomate com uma mão e com a outra segurava minha cesta carregada de legumes e verduras. Hoje eu estou um pouco desleixada, não me julguem, eu não ando assim normalmente, mas estava cansada e sem inspiração para preparar o almoço. Fui ao supermercado do jeito que estava em casa, calça larga e blusa folgada do meu irmão caçula, a única coisa que me preocupei antes de sair de casa foi por um sutiã. 

Meu cabelo está metade black power e metade trançado porque eu comecei a trançar o cabelo sozinha ontem e fiquei sem saco pra terminar. Então improvisei um coque que não escondia muito bem a parte sem trançar. Estou cansada de ser julgada pelas outras gostosonas do meu bairro. Quem elas pensam que são? Sempre bem vestidas, arrumadas, unhas feitas e cabelos crespos perfeitos. Eu cansei, cansei dessa ditadura da beleza. Pergunta quantas delas passaram numa seleção de doutorado? Vou te dizer, nenhuma. E sabe porquê? Porque a maioria nem terminou o ensino médio, então não venham com suas caras emburradas julgar o meu cabelo ou a forma como me visto. 

Tudo bem que eu ainda não passei oficialmente na seleção, mas falta isso aqui, só um tiquinho pra eu passar. Eu sei que vou passar, ano passado eu estava despreparada e deu tudo errado, mas esse ano eu sinto que vai dar tudo certo... 

Senhora por favor, não temos o tempo todo. Se concentre no ocorrido do supermercado.

Claro senhor delegado, me desculpe. Geralmente eu não fujo de temas que me são pedidos. Inclusive, só para o senhor saber, na minha época do vestibular eu tirei nota máxima na redação.

Se a senhora continuar nos enrolando vamos ter certeza que a senhora tem alguma coisa a ver com o roubo.

Tá bom, então vamos aos fatos...

Por favor.

Eu estava olhando as informações do extrato de tomate quando senti um homem atrás de mim. Achei que fosse só um cliente esquisito que não sabe medir o espaço... sabe.

Sei...

E ele falou alguma coisa no meu ouvido, na hora achei que fosse um tarado, me afastei bruscamente. Eu estava prestes a gritar pelos seguranças.

Vimos essa parte nas câmeras da loja, só queremos saber o que ele falou de fato ao seu ouvido.

A primeira vez eu não entendi, me afastei pra entender o que estava acontecendo. Aí vi que era um moço jovem, bonito, não tinha cara de tarado...Não que eu seja preconceituosa e saia por aí estereotipando as pessoas, não me entenda mal, mas geralmente homens assim nem olham pra mim... ainda mais no estado que eu estava. Olha bem pra mim senhor delegado, eu sou preta com metade do cabelo trançado. O cara parecia um galã de cinema. Não que eu me ache inferior aos brancos, inclusive sou uma ativista pelo direitos da população negra...

Está me enrolando de novo dona Eliane, porque a senhora não nos diz logo o que ele te disse e tenta se livrar do flagrante?

Tá bom...(silêncio)...Ele disse pra eu ir embora.

Só isso?

Foi, só isso.

Todo esse rodeio pra me dizer que ele te disse isso?

O senhor viu nas câmeras, ele se aproximou e falou alguma coisa em meu ouvido, eu me assustei e me afastei, então eu olhei pra ele e vi que ele era bonito, e aí ele falou pra mim - Cai fora, sai daqui logo, vai embora. Eu ia responder ele, eu juro para o senhor que eu estava prestes a fazer um escândalo, eu ia dizer bem assim: Você acha o que meu filho, que só porque eu estou desarrumada você acha que pode me tratar assim? Eu tenho meus direitos,  sabia?

O Ladrão do Supermercado por Manu Santos Where stories live. Discover now