Capítulo I

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Uma névoa fria pairava sobre Edimburgo, na Escócia, Reino Unido. O fenômeno, frequente entre os meses de abril e setembro, ocorria quando o ar quente passava sobre o frio mar do norte e tomava as ruas da cidade, deixando-a sombria, cinzenta e mística.

Sarah McKay assistia à névoa flutuar pela superfície, através da janela de um consultório em St. Patrick Square. Embora fosse uma aluna excepcional da Escola de Medicina da Universidade de Edimburgo, ela não se encontrava ali para uma espécie de treino em cenário prático. Dentro daquele cômodo, Sarah era, simplesmente, uma paciente.

Ela detestava assumir esse papel.

Com um incômodo aparente, alternou algumas vezes a sua posição na cadeira, o mais discretamente possível. Ainda impaciente e introvertida, ela entrelaçou os dedos em seus cabelos longos e ondulados nas pontas, alisando suavemente as mechas em um tom ruivo-acobreado e com nuances douradas acentuadas pela luz do ambiente.

A sessão de psicoterapia e aconselhamento havia sido finalizada antes que Sarah voltasse de seus devaneios. A Dra. Amaya Jamil era uma excelente profissional, mas a jovem ainda a via como a representação de uma imposição.

— Senhorita McKay? — indagou a terapeuta. A mulher levou as mãos ao rosto, ajeitou os óculos de armação grossa e franziu a testa em desaprovação.

A Dra. Jamil tinha estatura média e ossos largos, e se esforçava para que sua aparência fosse sempre impecável. Uma mulher exigente e terapeuta conceituada, que viu em Sarah McKay um desafio maior do que imaginava. Pacientemente, colocou um fio de cabelo castanho e rebelde em seu lugar, e reforçou a importância do comprometimento e participação para a evolução do caso.

Sarah fitou a terapeuta com seus olhos castanhos como mogno, e expressou um gesto de afirmação com a cabeça. Argumentar não vale o esforço, pensou. Ela havia iniciado a terapia há quatro meses, devido a episódios de ansiedade e pelo seu perfeccionismo.

Contudo, pela perspectiva de Sarah, a alta exigência imposta por ela mesma a recompensou enquanto estudante de medicina. Dessa forma, e como filha única de pais extraordinários, se recusava a abandonar esse comportamento, independentemente do preço a ser pago.

— Uma ótima semana, Dra. Jamil.

Sem olhar para trás, Sarah McKay pegou a sua bolsa e um guarda-chuva, de um vermelho-vivo, e saiu da clínica apressada. O trajeto de volta para casa não era longo, e passou a ser mais confortável agora que podia usufruir de um carro, presente este dado por sua avó paterna no último ano.

A jovem percorreu a rua com os olhos em busca de um Ford Focus modelo ST Line na cor preta, e pensou se encontraria a casa vazia enquanto se aproximava do veículo. Ainda não havia alcançado o tempo máximo de permanência referente ao valor pago no parquímetro, mas estava determinada a sair dali o quanto antes. Entrou no carro, suspirou e começou a dirigir na mão inglesa, sistema inglês de circulação de tráfego — que de acordo com crenças populares —, surgiu da tradição dos duelos entre cavaleiros, na Idade Média.

A paisagem era espetacular e íngreme. Construída sobre sete colinas, Edimburgo esbanjava charme e elegância, e era repleta de contrastes. Edifícios históricos na Cidade Velha preservavam a fisionomia medieval, enquanto as ruas de pedras, as passagens sinuosas e os becos misteriosos conferiam um ar místico e obscuro ao local. Ao redor, casas georgianas na Cidade Nova, comércios e bancos. Enfim, o verde contrastava com o cinza da cidade, com muitos parques públicos e espaços naturais. Mas o que realmente encantava Sarah era uma ampla casa de tijolos aparentes na rua Hope Terrace. Uma propriedade cheia de memórias, passada de pais para filhos ao longo das gerações da família McKay.

Porém, tal residência se tornou grande demais — um fardo pesado de uma herança — devido à queda do avião em que Jane McKay viajava após ser selecionada para um projeto do "Médicos sem Fronteiras". Jane era uma médica neonatologista experiente e respeitada internacionalmente. A insistência em estabelecer padrões altos e a busca incessante para alcançar, ou até mesmo superar esse modelo, surgiu do desejo de Sarah McKay de seguir os passos de sua mãe.

HORA DO DESPERTAR [ DEGUSTAÇÃO ]Where stories live. Discover now