Casos Nada Isolados no Multiverso

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— Sabe quantas vezes eu tenho essa conversa com você? — perguntou o homem de terno e gravata. — Por volta de 67.912, se não me falha a memória.

Pela primeira vez Damien estava assustado ao falar com uma pessoa vestida daquele jeito. Políticos, investidores, âncoras de jornal; nenhum desses tinha os mesmos poderes que ele. Nenhuma lei, dinheiro ou influência se equiparava aos feitiços que ele aprendeu, dádivas de tomos de conhecimento ancião e sobrenatural, capazes de enlouquecer aqueles de mente fraca.

Para piorar, uma runa brilhante em sua mão esquerda sugava-lhe de energias arcanas. Não conseguiria conjurar qualquer coisa, até porque também estava com as pernas e os braços paralisados.

— Quem é você? — inquiriu Damien com raiva. — O que vai fazer comigo?

— Perdoe-me não ter me apresentado antes — disse o homem em tom de voz calmo. — Me chamo Oscar Vidal. Fui instruído a impedir que você acordasse Wer-Nitór, conhecido por você como o Senhor do Abismo Escarlate.

O ritual de invocação saía como planejado. As estrelas se encontravam nas posições certas, assim como as oferendas no altar. Um coro de vozes cantava em latim anunciando a vinda do Senhor do Abismo Escarlate. A lua se avermelhava e o fogo das tochas se intensificava. O grupo de intrometidos que tentaram impedir o ritual estava morto, então nada poderia dar errado. Foi isso o que Damien pensou antes de reparar na figura de Oscar ao seu lado, lendo o seu grimório como um curioso observa o celular dos outros no metrô.

Não teve tempo de perguntar quem ele era e como tinha entrado na câmara despercebido. Foi lançado ao longe e, antes de atingir a parede e desmaiar, viu todo o seu trabalho de anos ser desfeito em questão de segundos. Quando acordou, estava sentado a uma pequena mesa numa sala de interrogação igual a que se via nos filmes policiais, sem poder conjurar feitiços ou se mexer.

— E como vamos repetir essa conversa mais 400.000 vezes? — perguntou impaciente.

— Deixa eu explicar melhor. — Oscar pegou um papel e apontou para uma linha. — Em 428.124 universos paralelos você e o seu culto falham por motivos diversos... Alguém perdeu o grimório, ou fez cálculos astronômicos errados, vocês foram presos pela Interpol, essas coisas. — Ele deslizou o dedo para a linha de baixo. — Em outros 67.912 universos, vocês quase acordam Wer-Nitór, mas eu chego a tempo de acabar com a sua festinha e depois temos essa conversa. — Mais uma vez ele desceu o dedo. — Vocês só são bem-sucedidos em 147 tentativas, e nelas você descobre que não pode controlar uma entidade cósmica anciã. Ela fica puta por ter sido acordada e decide te matar. Aí eu e meus colegas temos que limpar a sua bagunça para impedir que o multiverso entre em colapso.

Damien permaneceu quieto, encarando o papel por alguns segundos até que conseguiu formular uma pergunta:

— E quem são vocês?

— Nós somos a OMU, a Organização dos Multiversos Unidos. — Damien o olhou torto. — Sim, não é muito original, mas é o nome que ganhou na votação.

— Mas o que essa organização deveria ser, afinal? — questionou.

— Basicamente, somos um grupo comprometido em manter o multiverso funcionando de forma estável. Nossa equipe é selecionada a dedo e composta por formas de vida de todos os tipos. Temos humanoides, anjos, demônios, animais falantes, nuvens de gás sencientes, inteligências artificiais, semideuses, deuses, e por aí vai. Eu faço parte da divisão que cuida de humanos terráqueos.

— E me diz, vocês saem se metendo na vida dos outros assim?!

— Geralmente nós tentamos preservar a autonomia de cada universo — explicou, ajeitando-se na cadeira —, mas quando alguém como você ameaça a estabilidade cósmica, aí recebemos carta branca para intervir de maneiras mais diretas.

Casos Nada Isolados no MultiversoWhere stories live. Discover now