Capítulo Único

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Notas Iniciais

Para escrever este conto, precisei utilizar alguns termos japoneses que não possuem traduções ou equivalentes na nossa língua, portanto, todas as palavras sinalizadas com * (asterisco) estarão presentes em um pequeno glossário ao final do conto para que possam conferir uma breve explicação. Boa leitura! 

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"Nem sequer três dias este mundo vê passar - Cerejeira em flor!"

Ôshima Ryôta


Japão Feudal, 1867. Período Edo.

Ainda era cedo quando os primeiros raios de sol banharam pouco a pouco a majestosa e estonteante cidade de Edo. Ao longe, erguiam-se os castelos onde viviam os daimiôs*, senhores de terras, que eram protegidos pelos samurais, guerreiros honrados pelo código do bushido*. Os imensos campos verdes e arados das plantações dos senhores ocupavam quase toda paisagem da cidade que futuramente viria a se chamar Tóquio.

Ao norte, além das plantações, havia um enorme templo contornado de cerejeiras, decorando a paisagem num tom rosado que transmitia calma a quem o observasse. Ao sul, casas de mais de dois andares, erguiam-se com curvaturas triangulares, perfeitamente simétricas aos olhares de Shiori. A menina, por sua vez, estava em uma carruagem em direção ao leste, onde ficavam as melhores terras. Suspirou, sentindo-se enclausurada. O dourado forte irritava-lhe a visão e o vermelho dos assentos lhe causava enjoo. Definitivamente não gostava daquela combinação de cores. Porém, reconheceu que toda essa ornamentação fora ordem de seus pais, pretendendo mostrar todo o "poder" do clã e quem sabe conseguir um singelo elogio do daimiô Soichiro Yamaguchi.

Shiori estremeceu, encolhendo-se no kimono* que vestia, que era de um belo tom rosado e a faixa que o segurava era branca. Os cabelos negros e lisos estavam presos, bem decorados e, conforme orientação de sua mãe, estava com o rosto clareado pela maquiagem branca.

— Shiori, minha filha, olhe isso! — exclamou Yoko, sua mãe.

O rosto também estava branco com a maquiagem excessiva e os cabelos pareciam estar amarrados de maneira tão firme que aumentavam gradualmente sua testa. Conforme tradição do ohaguro, os dentes eram pintados de preto, já que era uma mulher casada. Yoko usava o kimono mais caro que possuía, de seda azul-escuro, que lhe caía bem apesar de estar acima do peso. Ela apontou para a janela, mostrando uma construção que logo Shiori reconheceu como sendo um comércio de tecidos.

Apesar de ainda serem raros, os comércios vinham se tornando cada vez mais comuns, agora era possível ter diversidade de produtos à venda. Shiori lembra vagamente de seu pai comentando que esse era o futuro do país: o comércio. Fora esse motivo que o levara aceitar a proposta de casamento do clã Yamaguchi, um dos mais ricos do Japão.

Ela balançou a cabeça, não queria se lembrar disso por enquanto.

Voltou a prestar atenção na loja e não demorou a entender exatamente o que a mãe queria lhe mostrar: Era um Manekineko, a estátua do gato dourado sentado sob as patas traseiras e levantando a pata dianteira esquerda.

— É um Manekineko — respondeu voltando sua atenção para o rosto branco da mãe.

— Sim! — Ela riu, baixinho, mantendo a discrição de uma dama. — As pessoas agora começaram a acreditar nessas lendas. Ele está com a pata esquerda levantada. O que isso significa mesmo?

Ao Cair da Flor de Cerejeira [Capítulo Único]Where stories live. Discover now