PRÓLOGO

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Numa certa encosta pedregosa, três figuras bem agasalhadas subiam por uma velha trilha, escalando pedras altas e se puxando por qualquer raíz seca no caminho enquanto seus bafos quentes eram levados para longe no vento.

O primeiro a alcançar o terreno nivelado se jogou no capim espesso ao lado da trilha, bufando grandes nuvens transparentes que logo dissipavam ao escapar por entre os buracos de seu grosso cachecol.

A segunda ainda se virou, espiando a paisagem lá embaixo por um momento hesitante, antes de também se deixar desmontar no chão irregular.

A menor e última, no entanto, mesmo com mãozinhas apoiadas sobre os joelhos dobrados e mais ofegante que os outros dois, só tinha olhos para o buraco à frente. Por isso, com passos miúdos foi se aproximando da borda inclinada, terra se desfazendo debaixo de seus pés, rolando feito mini-avalanches pelas curvas da descida até desaparecerem na escuridão. Só quando não conseguia mais se aproximar é que agachou-se com cuidado, seus olhos grandes seguindo as paredes envergadas até onde não se podia mais distinguir o que era pedra, o que era terra e o que era nada, no que parecia um caminho para o outro lado do mundo. Timidamente ela estendeu a mão para o vazio, abrindo bem os dedos pequeninos como se quisesse tocar o próprio escuro lá embaixo.

"Tem-fadas lá dentro?" ela perguntou, olhando por sobre o ombro.

A mais velha já se levantava com dificuldade, desfazendo um só nó no imenso casaco ao se aproximar da garotinha, - devagar para manter o equilíbrio - e puxou de volta o braço da pequena - não sem delicadeza.

"É onde o guardião da montanha se esconde." ela disse "Melhor não ir longe demais - fica muito inclinado lá no fundo e então... não tem mais nada. 'Você cai até acertar a cama do guardião, e ele não gosta que deitem em sua cama.' É o que meus pais dizem."

"Guardião... não deixe ela te enganar menina esquisita... tem monstros horríveis aí dentro - só - esperando..."

"Esperando o que?" A pequena virou para o menino estirado na relva.

Ele não respondeu de uma vez, apenas exalando devagar e vendo o próprio hálito se desfazer no ar. Então se ajeitou melhor entre os tufos amarelos, amassando as folhas ao se virar para as duas, apenas seus olhos aparecendo entre o pano e o gorro ao encará-las, misterioso. Mas, vendo o olhar de desdém da mais velha, toda a pose que tinha desvaneceu.

"...Como se eu tivesse que saber tudo..." Ele disse, levantando o queixo e deixando um nariz inchado e vermelho deslizar para fora do cachecol, o que fez a outra começar a rir e sua expressão ficar ainda pior. A garotinha no entanto, continuava olhando para ele cheia de expectativa, esperando.

"Olha." O menino apontou para baixo, onde podiam ver todo um lado da montanha - um longo trecho descampado até onde começava a floresta e o vale lá embaixo.

Alí, perto de onde estavam, cabras e carneiros pastavam despreocupados pela escarpa íngreme, espalhados entre as pedras, parados ou saltando nos precipícios e se aventurando pelo terreno perigoso com uma calma ordinária e completamente natural.

"Nenhuma delas chega perto da fenda," disse o menino "nunca! E-"

"E isso não prova nada..." catarolou a mais velha, tão rápido que a resposta parecia já muito bem praticada.

"E sabe do que mais?" o menino continuou, fingindo não escutá-la "-Se na Montanha Quebrada tivesse esse tal guardião, ele não ia deixar que quebrassem sua montanha. Isso seria estúpido."

"Mas ela não é quebrada, o buraco é a toca dele!"

"Montanha Quebrada" ele repetiu, encolhendo os ombros "Se fosse uma toca como você diz, seria a pior toca de todas. Se eu fosse esse guardião pelo menos, gostaria muito mais de lareiras e casas, e pra ter as casas só pra mim... eu não me importaria de ser um monstro terrível que invadi-"

O AZRULWhere stories live. Discover now