Capítulo 6 - Sequelas e retorno

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Delegacia, sala de depoimento, 16:45, segundo dia do plenilúnio.

Transpirando um odor mais agradável e digno de uma pessoa que havia saído do banho, carregando sórdidas lembranças inesperadas de uma peça ilustrada pela imaginação dos jovens da sala do segundo ano B, preso em um palco com correntes e sendo solto por uma espécie de lutadora armada com uma tentativa de espada feita com papelão e a retribuindo com um suave beijo, o garoto foi trazido a realidade pela grossa voz familiar após pensar em sua amiga que poderia estar morta a esse momento.

O som da porta batendo significava para seus sentidos que uma boa ou má notícia poderia chegar, que poderia se sentir aliviado ou preparado o suficiente para levar um tiro no meio de sua caixa torácica. Uma força feita pelas mãos lisas e bem-vindas de sua mãe em seu ombro o fez sentir um pouco confortável quando ficou cara a cara com o responsável pela sua possível sentença.

— Como ela...

— Somente eu vou falar aqui, estamos entendidos? — Começou o homem se dirigindo ao seu assento. — Graças a Deus! A minha Alana está salva, os médicos fizeram um excelente trabalho. — Disse, abaixando seu tom. — Foi algumas horas de cirurgia, uma cirurgia muito delicada, somente eu sei como estou aliviado, mas nem tudo é perfeito... ela vai se recuperar, mas nunca mais poderá falar normalmente. — Um olhar de ódio foi lançado em direção ao garoto.

— Pode explicar melhor, senhor Derick? — Se queixou inesperadamente Jane.

— Jane... — Soluçando e controlando seu bramido de choro, ele novamente continuou com dificuldade. — Algo perfurou o pescoço dela e também as suas cordas vocais... — Nesse momento, uma coriza transparente saía de suas narinas e ele a puxou para dentro. — A minha pequena nunca mais poderá falar normalmente... A não ser por algum equipamento eletrônico que o doutor mencionou, mas acabei não me importando com isso no momento.

Entre todas as sensações que ele poderia sentir, apenas uma foi forte o bastante para fazê-lo enjoar de sua própria existência, um sentimento de raiva misturado com desprezo por si, tomou conta de todo seu corpo. Suas entranhas se contraíram, deixando-a levar uma acidez até a porta de sua boca e suas mãos tentaram segurar para não jogar no arroxeado birô uma nojenta golfada.

— Ela continuará de observação e tomando antibióticos, talvez passe alguns dias internada. Inacreditavelmente, nessa situação, ela ainda conseguiu defender você, garoto. Escreveu às lágrimas que a culpa era mais dela por não ouvir você, me pediu para não fazer nada com sua pessoa. Não sei se você sabe, mas são elas quem manda em nós homens. — Um puxado em seu lábio superior deixou escapar um mínimo sorriso. — Você está liberado, mas quando ela se recuperar quero saber realmente do ocorrido.

— Pergunte a ela, senhor Derick, tenho certeza de que ela não mentirá. 

— É isso que farei, agora, por favor... — Em um simples gesto, ele expulsou mãe e filho do pequeno cubículo branco que mais parecia um freezer de tão gelado com seu ar condicionado que dominava o clima ali.

— Obrigada por não prender meu filho, ele me explicará de fato o que aconteceu. Desejo força para você e para Morgana, uma boa recuperação para Alana.

Saindo da sala sendo guiado pelas mãos ásperas de sua mãe, eles foram recebidos no mesmo corredor que Rael passara horas antes, com olhares curiosos pelos policiais que se amontoavam em pé tomando café em minúsculos copos de plásticos, Rael teve a convicção que aquele tanto de agentes que estavam em seus computadores eram toda a frota securitária da cidade.

O caminho até a sua casa foi de uma devera preocupação, os acenos para sua mãe e para si não foram respondidos, as ruas que atravessavam em um entardecer alaranjado deixava mais consternado o garoto por observar alguns de seus amigos de classe conversando em bancos de pedras em uma das ruas que dava acesso a sua escola.

Após alguns pensamentos sórdidos com imagens de Alana não querendo mais falar com si, a numeração 321 colada em seu portão de alumínio avisava a chegada em casa.

— Vá tomar outro banho e depois nós conversaremos. Fico impressionada, você é tão quieto, mas quando se mete em algo é para valer por tudo que não fez. — Sem exitar, o garoto subiu em direção ao quarto, apanhou algumas roupas e seguiu ao banheiro. A água percorrendo pela cabeça o deixava mais aflito, mas ao menos dava a sensação de lavar não apenas o corpo e sim toda sua alma. Foi tudo tão rápido que ele se sentiu um inútil por não fazer mais pelos seus amigos, talvez ele devesse fugir de casa e pernoitar no hospital.

Mais acordado e próximo de sua realidade, ele se dirigiu até seu quarto. O dia já estava escuro e se iniciando a bela noite, seu olhar encontrou a janela e da janela a grande bola luar cheia. Talvez acontecesse algo essa noite, mas tudo que poderia fazer era entregar nas mãos de quem pudesse resolver.

O Próximo Plenilúnio Where stories live. Discover now