Capítulo XXXVI

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— O quê? — a voz de minha irmã ecoou pelo castelo sangrento e caótico em que nos encontrávamos. Engoli em seco e olhei para Apolo com a visão borradas pelas lágrimas.

— Ele não pode... não pode estar vivo... não é? — pergunto sentindo minha voz embargada.

— É quase impossível. Machucado da forma que estava, ele não conseguiria ir longe. O príncipe Christian e os guardas de Várzea saíram para procura-lo. — ele responde, apertando firme a minha mão.

— Eu irei junto. — minha irmã se exalta.

— Violetta! — mamãe a grita e segura firme seu braço, retirando a adaga que ela segurava em sua mão. — Não irá sair daqui. Não irei perder mais ninguém da minha família.

— Por favor... — sussurro chamando atenção das duas e toco no rosto de papai, sentindo uma dor imensurável. — Vamos... tirá-lo daqui.

— Eu cuido disso. — Apolo se levanta rapidamente e pega o corpo de papai, atravessando o mar de corpos que havia no salão e subindo até o quarto real.

Nos levantamos e ajudamos mamãe a levar Violetta, quando finalmente, em meio a escuridão, uma luz havia surgido. Nós nos entreolhamos em completo estado de choque quando uma voz grunhiu de dor. Sorri em meio as lágrimas.

— Bella?

Quando eu era pequena, papai costumava me dizer que as dores que enfrentamos nessa vida nunca serão maiores do que possamos suportar

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Quando eu era pequena, papai costumava me dizer que as dores que enfrentamos nessa vida nunca serão maiores do que possamos suportar. Precisei me lembrar de sua voz e dessas palavras por diversas vezes para me convencer de que eu me recuperaria, que aguentaria passar por aquela dor, mas no dia do seu enterro, eu não sei como pude resistir.

Diferente de um enterro comum de um cidadão da vila, o sepultamento de um rei era quase um evento social. Tive que chorar por dentro enquanto recebia abraços de nobres que sequer conheciam verdadeiramente o grande caráter que meu pai possuía, e ainda escutar cochichos que diziam que se um rei como Joseph não teve pulso suficiente para enfrentar o próprio irmão, Beaumont estava perdida.

Nunca quis tanto expulsar todas aquelas pessoas e me despedir intimamente de meu próprio pai.

— Se quiser, anuncio que Várzea está pegando fogo e tiro a atenção de todos estes abutres daqui. — a voz do príncipe Christian surge ao meu lado e eu sorrio fraco, grata por poder ouvir a voz de uma pessoa que realmente nos ajudou em meio a todo o caos.

— Eu adoraria alteza, mas creio que não seja necessário colocar fogo em seu próprio palácio por minha causa. — abraço meu próprio corpo e o olho de perto. — A propósito, muito obrigada por tudo que fez.

— Não fiz mais que minha obrigação, Cecília. Quando cheguei atrasado ao julgamento e percebi a movimentação que estava, saí a lhe procurar. Encontrar o rei sangrando no castelo e ver a dor que você e sua irmã sentiam, me fez lembrar de como fora horrível perder meu próprio pai. Vosso tio é um homem abominável.

— Espero que ele esteja morto.

— Eu também. — ele responde e fixa o olhar na direção de Apolo, que observava a cena a certa distância com os braços cruzados para trás. — Sobre os boatos com o soldado Carter, são verídicos?

— Christian, sobre isso, me perdoe...

— Se arriscou seu próprio trono para salvá-lo de uma forca, seus sentimentos por ele devem ser maiores do que eu possa compreender. — ele me interrompe e me olha com seriedade. Engulo uma saliva e sinto um aperto no peito, constrangida demais por não saber o que dizer.

— Eu deveria ter o avisado. Mais uma vez, me perdoe por não ter sido justa e correta com você. Mereces uma mulher que esteja disposta a amá-lo da forma que deseja.

— Sei que um dia encontrarei. — ele sorri e se inclina, beijando a minha mão como um perfeito cavalheiro. — Seja feliz Cecília! Sempre que precisar, Várzea estará à vossa disposição.

— Obrigada novamente Christian. Por tudo. — me inclino e também faço uma reverência. — Até breve.

— Até, princesa. — ele sorri triste e sai, me deixando com uma considerável parcela de culpa por ter magoado alguém que não merecia. Apolo começa a andar em minha direção e uma pessoa quebra a conexão do nosso olhar, parando em minha frente.

— Eu sinto muito, querida. Muito mesmo. — era a Condessa Charlotte, abrindo o leque preto e colocando a mão no peito fingindo tristeza. Sua peruca preta entrava em grande contraste com sua pele pálida e seu corpo rechonchudo coberto por um vestido preto brilhante. Como se ela estivesse de luto. Pelos reinos! — Seu pai era um grande rei.

— Eu sei, agradeço pelas palavras. — aceno sem sorrir e tento sair, mas ela se coloca em minha frente novamente.

— Eu ouvi os rumores, sobre a sua relação com o soldado. Pela expressão do pobre príncipe Christian, o casamento de vocês não irá mais acontecer. Só queria lhe perguntar querida se acha que está fazendo o certo. Sabe, seu soldado é charmoso, mas ele é um pouco escurinho...

— Como? — a olho incrédula. Ela não havia dito aquilo, havia?

— Eu só estou dizendo que você deveria se casar com alguém da nobreza, com a pele mais clara... pense nas futuras pinturas, nos quadros de família... vosso pai não gostaria que você se casasse com um plebeu...

— E o que uma mulher desprezível, preconceituosa e mesquinha como a senhora sabe sobre o meu pai? — digo a ponto de explodir e sinto alguém me segurar. Mamãe sussurrou em meu ouvido que todos estavam olhando e eu soltei os ombros vendo os olhos da condessa se arregalarem. — Nunca mais coloque os pés aqui.

— Filha, vamos lá para dentro, precisamos conversar. — mamãe me puxa e eu encaro novamente os olhos de Apolo de longe. Eu só queria desaparecer.

— Essas pessoas não estão aqui porque se importam, mamãe.

— Eu sei meu amor, eu sei. — ela me envolve em um abraço, e segura meu rosto com as duas mãos. — Se quiser ir lá para dentro... ficar com Violetta e Arabella. Eu aguento tudo por aqui até todos irem embora.

— Não irei deixá-la sozinha. Como a senhora consegue?

— Seu pai. — ela sorri e solta uma lágrima, a limpando rapidamente. — Meu Joseph sempre dizia que devemos ser fortes em meio às tribulações. Deus sempre possui propósitos maiores do que possamos compreender.

— Eu não consegui me despedir... não disse o quanto eu o amava...

— Não precisava, minha filha. Ele sabia. — ela me olha com carinho, e acaricia o meu cabelo. Fechando os olhos, seu rosto se aproxima e ela beija a minha testa, em um ato parecido com o que meu pai fazia. Solto uma lágrima ao me lembrar da sua voz, que viveria para sempre em meu coração. — Tudo se vai...

— Menos o amor do papai.

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