Mark Sullivan II

21 3 0
                                    


  Apertei o freio da moto com uma das mãos, parando-a lentamente em frente àquela garagem cinzenta, com todas as suas portas fechadas. Era uma manhã quente em Hong Kong, e eu não podia deixar de sentir calor por baixo daquele capacete... Bom, tudo pelo bem do meu próprio trabalho.

  Colocando a motocicleta no apoio, suspirei, observando bem a oficina fechada na minha frente. Ali, pelas minhas informações, seria a residência e local de trabalho de Evelyn. Talvez eu estivesse chegando cedo demais, tendo em vista que havia pedido as máquinas de madrugada, contudo no fundo, eu tinha uma pequena esperança que ela já teria terminado.

  Caminhei calmamente até a porta fechada, e ali apertei a campainha, ouvindo seu som ecoar no interior do local. Passou-se alguns segundos de silêncio, até a câmera de segurança acima da porta se mexer, direcionando suas lentes até mim. Encarei o objeto, acenando com uma das mãos.

  — Bom dia, gatinho. — Ouvi a voz de Evelyn ecoar da câmera, e já soltei um suspiro frustrado por baixo do capacete. — Não esperava ver você aqui tão cedo. Foi amor à primeira vista?

  — Bom dia, Evelyn. — Respondi de forma seca, mantendo os olhos na câmera. — Você sabe o motivo de eu estar aqui. Quero saber o andamento das máquinas que foram encomendadas.

  — Uau, mas você é bem apressadinho, hein. — Ela respondia em seu tom irônico, rindo. — Pensei que eu tinha pelo menos uns três dias pra fazer isso.

  — Posso assumir então que ainda não ficou pronto? — Questionei, cruzando meus braços, olhando para a rua pouco movimentada da vizinhança. — Escuta, eu não gosto de ter esse tipo de conversa em aberto. Será que eu posso entrar? — Perguntava. Falar sobre negócios em público me deixava estranhamente inquieto.

  — Bom, Revenge, você não tá falando com a melhor engenheira de toda Hong Kong atoa. — Evelyn voltou a soltar seu riso. — Eu terminei essa noite mesmo. Entra aí... E fica à vontade. — Subitamente, ouvi a porta se destrancar, e ela se abria de forma automática, revelando o interior. A garagem era bem larga, e em seu centro, estava o taxi de Evelyn, devidamente estacionado, e com seu capô aberto. Ao longo de todo o local, havia pilhas de caixas e peças eletrônicas espalhadas, além de várias mesas com computadores e protótipos de máquinas. Evelyn estava sentada de frente para uma dessas mesas, com ambos os seus pés apoiados em cima da mesma. Ela fumava um cigarro, enquanto em uma das mãos, manuseava um pequeno monitor holográfico. Pela minha experiência, parecia estar manipulando os componentes de uma das várias máquinas ali. Aos fundos, uma música tocava, em um volume relativamente alto. Certamente um local de trabalho um tanto quanto caótico. Como ela conseguia viver ali, era um mistério.

  — Quer uma cerveja? Tem umas garrafas na geladeira dos fundos. Peço pra um dos robôs pegarem pra você. — Ela perguntava, em um tom um tanto simpático, sorrindo para mim. Evelyn usava um óculos amarelado brilhoso, extremamente chamativo. Seus cabelos negros estavam soltos, caindo pelos ombros e pelas costas.

  — Eu não bebo, obrigado. — Neguei com a cabeça, dando mais uma breve olhada nos arredores. — É difícil acreditar que um lugar assim abriga a melhor engenheira da cidade. — Comentei, me referindo a toda a bagunça daquela garagem.

  — Ah, isso não é nada. — Rindo, Evelyn abanou a mão com o cigarro no ar. — Eu sou um pouco enérgica, então... Acabo começando muitos projetos e não terminando. — Ela se explicava. — Por consequência, eles ficam acumulados aqui na garagem. —

  — Entendi. — Me limitei a assentir com a cabeça, voltando meus olhos para Evelyn. — Certo... Minhas máquinas, onde estão?

  — Você não é muito de conversar, né? — Ela perguntava, tragando o cigarro entre seus dedos. De fato, eu não estava ali pra conversar, tampouco tinha vontade para isso. — Por que você não me fala um pouco sobre você? Eu gosto de conhecer os meus clientes.

  — O objetivo do meu trabalho é que ninguém saiba nada sobre mim. — Fui direto, encarando-a. — E é assim que eu quero manter.

  — Você... Não é daqui... Ou é? — Arqueando as sobrancelhas, Evelyn esboçou um sorriso de canto de boca, soltando a fumaça do cigarro. — Mesmo com o modulador do capacete, seu sotaque é bastante distinto. — Estava impressionado. Não é como se o modulador escondesse tudo de fato.

  — Não, eu não sou. — Neguei com a cabeça.

  — Americano? — Mantive o silêncio, e Evelyn riu. — Ora, não precisa fazer essa cara de surpreso por baixo do capacete, eu já imaginava. — Ela deu de ombros. — Vocês gringos se destacam muito aqui na cidade.

  — Que diferença isso faz? — Questionei, ligeiramente curioso.

  — Pra mim, nenhuma... Mas você está na China, amigo. — Ela tragou novamente o cigarro. — Seu país não tem boas relações com a nossa democrática república. — Rindo em ironia, Evelyn soltou a fumaça. — Já fiquei sabendo de cidadãos americanos sofrendo retaliação na cidade.

  — Não pretendo ficar aqui por muito mais tempo. — Novamente, fui direto. — E eu sinceramente pouco me importo com o que o governo americano ou chinês faz.

  — Olha, Revenge, sua indiferença ainda vai te matar um dia. — Ela advertia, mas eu sentia um certo tom jocoso em sua voz. — Mas, bom... Isso não é problema meu, não é mesmo? — Colocando o cigarro no cinzeiro de vidro, Evelyn retirou debaixo de sua mesa, uma maleta preta, devidamente selada, segurando-a com uma das mãos. Levantando-se da cadeira, ela parou na minha frente, estendendo aquela mesma maleta na minha direção. — Aí está. Tanto o drone quanto o robô-aranha estão aí dentro.

  Segurei a maleta com uma das mãos, abrindo-a para observar o interior. Ali, dobrados entre os encaixes da maleta, estavam ambas as máquinas. Eram pequenas, o que era perfeito para o que eu precisava fazer.

  — Obrigado. — Agradeci, assentindo com a cabeça, fechando a maleta.

  — Você vai precisar disso aqui se quiser controlá-los. — Evelyn retirava de um dos seus bolsos um pequeno chip preto, quase similar aquele que me foi entregue no Clube Kung no dia que fui contratado. — É só colocar em qualquer conector cibernético e já vai estar funcional. — Sem delongas, peguei o chip com uma das mãos, o guardando de forma segura em um dos bolsos de minhas vestes.

  — Novamente... Obrigado. — Repeti meu agradecimento, e Evelyn negou com a cabeça, sorrindo.

  — Não foi nada. — Ela respondeu, voltando a sentar-se em sua cadeira, pegando o cigarro do cinzeiro. — Se não tiver mais nenhum assunto pra tratar comigo, acho que acabamos por aqui.

  — De fato, acabamos. — Não tinha porque eu perder mais tempo ali, então dei meia-volta na oficina, direcionando meus calmos passos para a porta de saída do local, onde minha moto estacionada aguardava.

  — Aí Revenge. — Parei de caminhar ao ouvir a voz de Evelyn novamente, encarando-a por cima dos ombros. — Boa sorte nesse teu trampo. — Fiquei em silêncio por alguns segundos, contudo mais uma vez eu assenti com a cabeça para ela, saindo do local. Assim que coloquei meus pés na calçada, a porta se fechou atrás de mim.

Hong Kong 2189Onde histórias criam vida. Descubra agora