PRÓLOGO

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Encaro a imensidão azul na minha frente sentindo meu corpo imobilizado – não que eu não possa lutar, mas simplesmente acredito que não vale a pena.

Dizem que quando estamos prestes a morrer, vivemos todas as nossas lembranças mais uma vez. Eu sempre me perguntei, se viveremos todas elas mais uma vez, até o momento de nossa morte, como podemos saber dia após dia que de fato, estamos vivendo e não apenas relembrando de tudo em nossos momentos finais?

Ignoro a reflexão e puxo com força em minha mente a última lembrança de verdadeira felicidade que posso encontrar. Não quero as lembranças das tardes no shopping com amigos, de festa, ou aniversários. Não, eu quero uma lembrança simples, como um olhar ou um sorriso, como um cheiro, mas que faça com que meu coração se aqueça e eu simplesmente me esqueça do frio que faz com que meus ossos doam. Mesmo com toda a dor, a morte ainda parece muito mais simples do que a vida.

Minha vida.

Encontro então a minha lembrança: Os cabelos brancos de meu avô balançam suavemente com o vento, e ele movimenta os lábios. Não sei o que ele está falando, minha lembrança não tem sons, apenas a sensação que faz com que meu estomago se agite e meu coração dispare. A mesma sensação que levou ao estado em que meu corpo se encontra nesse momento. Ele sorri. Eu sinto que sorrio ao seu lado, dentro do seu carro, enquanto ele dirige. Sou pequena, o que faz total sentido, e o encaro por baixo. Ele ri e seus ombros sacodem com sua risada, eu não acho engraçado, mas eu sorrio com ele.

Sorrio por ele.

Seus olhos desviam da estrada a nossa frente e capturam os meus: são azuis.

Uma incrível imensidão azul me encara, eu sentia tanta falta dela. Mas então seu sorriso vacila e sua expressão se torna assustada. A lembrança silenciosa se transforma e os sons começam a penetrar em minha mente, buzinas, palavras, som do carro, motos, trânsito... É impossível não me sentir tonta. Mas não é isso que me congela.

Sinto seu toque. Agora, meu avô toca meu braço e o aperta com muita força. Muita, muita força.

"Está doendo" – sussurro, ouço minha voz infantil.

"Respire, Abby" – Sua voz não é como me lembrava, é quase robotizada.

Encaro os olhos azuis – azul não é mais minha cor favorita, não faz mais parte da minha vida. Agora, tudo é escuro. Simplesmente permito que a escuridão me engula, e leve de mim minha última lembrança. É mais fácil assim.


Faster - No LimiteWhere stories live. Discover now