Em um de seus costumeiros surtos contemplativos

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 Seki parou na frente de uma máquina de venda automática, considerando as opções até sentir um par de braços passando por seus ombros e mãos se segurando à sua frente, limitando sua visão:

 — Adivinha quem?

 Era típico de Shimizu o interromper quando começava a pensar demais, bom saber que certas coisas nunca mudam. Suas próprias palmas alcançaram as mãos do outro e a removeram da frente de seus olhos, trazendo-as para baixo e fora de seu rosto. Como sempre, ele não responderia a pergunta da verdade, não existia mais ninguém que o cumprimentaria com essa brincadeira infantil:

 — Quer alguma coisa? Eu não estou com fome de verdade.

 — Hm. — considerou enquanto analisava a vitrine, desfazendo o abraço solto para ficar ao lado do amigo e mantendo apenas uma das mãos no ombro mais próximo — Por que não vamos comer algo em um restaurante ou estande?

 A sugestão veio não só do fato que nenhum dos produtos parecia particularmente ideal no momento, mas também a oportunidade de passarem mais tempo juntos. Sentar para comer e conversar era o que os dois mais faziam quando se encontravam ultimamente, era o auge do dia de ambos, mesmo que não elaborassem esse pensamento de modo verbal um para o outro. Finais de semana como esse eram os melhores, se encontravam em algum canto aleatório da cidade e seguiam encontrando um rumo gradualmente.

 Masumi continuamente fazia decisões impulsivas, então não possuir um plano era comum e talvez até bom, já que era uma situação familiar. Boa parte de estar sozinho com seus pensamentos consistia de reflexões profundas com perguntas filosóficas e ponderações complexas, com tantas considerações feitas diariamente, chegava a ser irônico o quão aleatório tudo era na sua vida. Certamente, se devaneasse o suficiente, iria acabar reduzindo tudo ao aleatório e contemplar o universo em sua total bizarrice...

 Talvez, se tivesse se aprofundado no estudo das ciências humanas, se daria bem na área, porém se recusava a se arrepender de ter largado o ensino médio pela metade. No fim o conhecimento de mundo que ganhou por aí lhe era suficiente, de sabedoria convencional bastava Koh, o enfermeiro que o puxou levemente pela mão para dentro de um lugar relativamente vazio e pediu uma porção de ramen, aguardando para ver se havia mudado de ideia em relação à comida e saber se adicionaria ou não um prato ao pedido. 

 O preço era baixo, o que indicava provavelmente uma qualidade ou medíocre ou pior que isso, não que importasse de verdade, ao menos seu parceiro havia considerado o quão pão duro ele é enquanto estava perdido dentro da própria mente. Shimizu com certeza não explorou tanto o assunto quando decidiu as coisas, levando o mínimo de esforço para recordar que seu companheiro era averso a gastar demais.

 Tudo poderia estar o mais perfeito possível, tocar no assunto da memória do outro tornava a atmosfera imediatamente estranha e delicada, mesmo que não estivesse partilhando em voz alta. Suas reflexões sempre falaram em volumes extremos dentro de si, como um sussurro eterno que rouba seu foco das coisas acontecendo na realidade, sendo o homem à sua frente quem o trazia de volta ao momento.

 Chegava a ser labiríntico quando se sobrepunham, deixar sua imaginação correr solta com ele no meio era perigoso, porque nunca sabia o que iria achar em suas conclusões estranhas dessa vez. Alheio ao conflito interno, o amigo assoava o nariz no guardanapo, tentando aliviar um pouco o escorrer incessante:

 — Como vai a loja de lanches? 

 A indagação requeriu seu foco, o removendo de suas ponderações internas. Koh foi quem o ajudara a reabrir o negócio de família, é claro que merecia uma atualização:

  — Vai bem, estive ganhando mais fregueses... fica bem cheio na hora do almoço, começaram a reclamar de demora comigo.

 — Parece complicado, você devia contratar alguém para ajudar.

Em um de seus costumeiros surtos contemplativosWhere stories live. Discover now