CAP. 10 - Chuva de Lua Minguante

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"Olivia" uma voz ecoava em minha cabeça. "Olivia" eu podia ouvir o meu nome, um sussurro fraco. "Olivia" a voz tornou a dizer. Eu tentei andar em direção a voz, mas as minhas pernas não me obedeciam. "Olivia, por favor, abra seus olhos" a voz falou outra vez, agora menos distante.
Eu não queria abrir os meus olhos, eu não queria me deparar outra vez com aquele par de olhos azuis. Se eu me deixasse aqui, na escuridão eles não poderiam me encontrar. "Não" eu respondi entre soluços. Então eu senti meu corpo tremer. Duas mãos me seguravam e chacoalhavam meu corpo. "Olivia, por favor" a voz suplicou outra vez.
E eu cedi. Como sempre, eu cedi aos seus apelos. Esse era o seu poder sobre mim. Em sua presença era como se meu corpo não fosse meu, como se ele fosse o próprio flautista de Hamelin me fazendo dançar ao seu comando.
Mas, para minha surpresa, os olhos que me encaravam dessa vez eram verdes, como jades. Parada a minha frente estava uma Mel assustada. Seu corpo tremia tanto quanto o meu. E como mágica, o mundo foi desacelerando e eu podia escutar outra vez.
"Graças a Deus você acordou" ela falou me abraçando. O desespero presente em sua voz. Eu demorei um momento antes de conseguir falar. "O que aconteceu?" Eu perguntei com a voz ainda embargada, tentando ainda recuperar o fôlego. "Ouvi você gritando. Achei que tinha acontecido alguma com Katrina e quando eu entrei em seu quarto eu vi você se debatendo, entre gritos e choros." Eu olhei a minha volta. Eu ainda estava sentada na poltrona, o diário e as cartas agora encontravam-se no chão, assim como a taça de vinho que se espatifara contra o piso de madeira.
Fora apenas um pesadelo, eu tentava força minha mente a processar essa informação. Mas parecera tão real, eu ainda podia sentir o seu toque contra a minha pele. A dor entre minhas pernas também era real, e o meu cérebro lutava contra a ideia de tudo ser um pesadelo.
E então, um pensamento me ocorreu, Katrina. Se meu episódio fora o suficiente para arrastar Mel ao nosso quarto, onde estava Katrina? Porque ela não acordou? Sem expressar meu pensamento, corri para cama, em busca do corpinho adormecido de Katrina.
A cama estava fazia. Katrina não estava lá. Eu vasculhei o quarto com meu olhar, a procura de sinais de sua presença em vão. Ela não estava lá. Mel gritou em choque quando percebeu a ausência de Katrina. E de repente era como se o quarto fosse ficando cada vez menor, como se as paredes avançassem em minha direção. O quarto começou a girar e eu me peguei lutando contra a vontade de fechar os olhos outra vez.
"Inale, exale." eu falava em voz alta, tentando recobrar o controle do meu corpo. Eu não podia me entregar. Eu precisava lutar contra o pânico que queria se apoderar de mim. Eu precisava achar Katrina. E assim, como só as mães são capazes, eu recobrei um pouco de controle sobre mim mesma e saí à procura de Katrina.
Mel me seguiu, e como duas loucas, reviramos cada cômodo da casa a procura da minha filha. Eu amaldiçoava meus ancestrais pelo tamanho da casa. Meu desespero crescia a cada cômodo vazio. Assim, após o que pareceu toda uma vida chegamos ao térreo.
Mel parou bruscamente ao fim da escada. "Shhhh" ela me pediu silêncio, que eu parasse de chamar por Katrina. "Está ouvindo isso, Livvy?" Ela disse num sussurro. Eu me concentrei tentando escutar o que quer que ela escutara. E então eu ouvi, o vento soprando pelas janelas abertas. Corremos em direção ao barulho.
A sala da manhã estava irreconhecível, era como se a tempestade estivesse acontecendo ali. As portas que levavam ao jardim se debatiam contra a força dos ventos, um verdadeiro filme de horror. De repente um raio cruzou os céus, iluminando o lado de fora, e ali, parada no meio do Jardim em plena tempestade estava Katrina.
Lá fora era tudo escuridão, e a chuva que caía cada vez com mais intensidade, não me deixava ver nada à minha frente. Tão intensa que as gotas de chuva machucavam a minha pele. Outro trovão, e de repente um raio iluminava lá longe e tornava o jardim visível outra vez.
O vento tornava minha tentativa de resgate ainda mais difícil, eu fazia uma força descomunal para continuar avançando. Mais um trovão. Barulho e luz pelo jardim. Eu, finalmente tinha alcançado Katrina.
Ela estava imóvel , molhada da cabeça aos pés, o pijama colado em seu corpo e os lábios trêmulos pelo frio. Eu a peguei pelo braço chamando seu nome, mas ela não reagia. Sem pensar eu a peguei em meu colo, mas ela estava tão encharcada que caminhar me era quase impossível.
Assim que entramos na casa Mel nos esperava com toalhas. Eu tirei nossas roupas ali mesmo e corremos para o banheiro. Eu não tinha ideia de quanto tempo ela passara debaixo daquele temporal. Eu sentia a sua pele gelada e na luz da casa eu pude notar o azul em seus lábios.
"Não se preocupe meu bem! A mamãe está aqui com você" eu falava para ela enquanto abria a porta do box. Eu liguei a água quente, me sentei no chão do chuveiro com ela em meus braços. Lentamente o calor da água fez a coloração de seus lábios retornar, acalmando os os tremores do seu corpo.
Mel retornou ao banheiro 10 mim depois, com um novo par de toalhas e roupas secas. Ela se ocupou com Katrina para que eu pudesse me trocar. Já vestidas, colocamos Katrina em minha cama, com compressas de água quente embaixo do edredom para ajudá-la a manter sua temperatura.
Eu afastei seus cabelos ainda úmido de seu rosto. Ela parecia tão serena. O que teria acontecido para que eu a encontrasse daquele jeito, no meio de uma tempestade. Meus pensamentos foram interrompidos por leves batidas na porta. Olhei na direção do barulho e vi Mel gesticulando para que eu saísse do quarto.
Ela segurava duas xícaras fumegantes em suas mãos. "Café" ela disse assim que viu a direção de meu olhar. "Acho que nenhuma de nós será capaz de domir mais essa noite" ela falou me entregando uma xícara.

Quando o Sol Tocou a LuaWhere stories live. Discover now