Os irmãos vigaristas

Há muito tempo atrás, viviam numa fazenda dois irmãos. Seus pais haviam falecido recentemente e agora não sabiam bem como ganhar suas vidas.

O mais velho, então, foi até uma cidadela próxima para procurar por emprego e lá ouviu boatos sobre um poderoso feiticeiro capaz de conceder desejos dos mais inacreditáveis a quem o oferecesse algo em troca. Nesse instante, deixou de buscar emprego e voltou para casa correndo. Foi então ter com o caçula, dizendo:
- Maninho, não precisaremos mais trabalhar! Descobri que há um feiticeiro que vive perto daqui que pode nos conceder desejos em troca de algo!
- Ótimo, podemos lhe oferecer nosso rebanho de ovelhas! - respondeu o outro, contente - Mas espere, o que vamos pedir a ele exatamente? Dinheiro?
- De forma alguma, irmãozinho, dinheiro acaba depois de um tempo. Já tenho um ótimo pedido em mente, você vai ver.

Antes que o mais novo pudesse protestar, o mais velho sumiu porta afora e conduziu as ovelhas que pastavam por ali rumo à morada do tal feiticeiro.

Chegando lá, bateu à porta da cabana e foi logo atendido por um velho mago que sorriu para ele com simpatia:
- Boa tarde, jovem - começou ele - Há algo que eu possa fazer por você?
- Com certeza, meu senhor - respondeu o rapaz, um pouco nervoso - Gostaria de lhe oferecer minhas ovelhas e, em troca, gostaria de lhe fazer um pedido.
- E qual seria este pedido? - indagou o bruxo, erguendo a sobrancelha.
- Gostaria de ser capaz de me transformar em qualquer animal!
- Se é o que seu coração pede, que seja - respondeu o velho, parecendo não gostar muito da ideia.

O mago então bateu palmas três vezes e, de olhos fechados, disse algumas palavras numa língua estranha que o jovem nunca havia ouvido antes.
- Está feito, meu filho - disse subitamente o bruxo - A partir de agora, você tem o poder que desejava. Faça bom uso dele.

Feliz da vida, o rapaz deixou as ovelhas com o homem, voltou pra casa radiante e foi contar a boa nova para seu irmão.
- Duvido que isso seja verdade mesmo - disse o irmão, incrédulo - Pois se você tem mesmo esse poder agora, transforme-se num gato!
- Sem problemas - respondeu o irmão, sorridente.

Num piscar de olhos, ali estava um gato se esfregando nas pernas do outro irmão, que ficou de queixo caído. Em seguida, ele voltou à forma humana e disse:
- Escute bem, maninho. Tenho um plano perfeito para fazermos dinheiro fácil usando esse meu novo poder. Vou me transformar num porco. Venda-me na feira e deixe o resto comigo.

O irmão assentiu entusiasmado e lá se foram para a feira mais próxima. Um transformado em porco e o outro puxando-o por uma corda.

Chegando à feira, um homem que passava por ali se interessou no animal e logo perguntou qual seria o preço a pagar por ele. O irmão humano conseguiu convencer o sujeito a pagar uma boa quantia. Em seguida, deu a ele a corda que puxava o "porco" e voltou para casa com o dinheiro, contente.

Enquanto isso, o comprador se pôs a caminho de sua fazenda juntamente com o que ele acreditava ser apenas um suíno.
No meio do caminho, o jovem mágico transformou seu casco dianteiro em garras afiadas e, sem que o homem notasse, cortou a corda que o prendia. Em seguida, fugiu para o mato próximo e, antes que o fazendeiro pudesse ir atrás dele, assumiu a forma de um pássaro e voou de volta para casa.

Minutos depois, lá estavam os dois irmãos felizes da vida, comemorando juntos o golpe que haviam realizado.
- Precisamos fazer isso novamente amanhã! - sugeriu o mais novo, rindo - Você podia até se transformar em algum animal mais caro! Ficaríamos ricos!
- Ótima ideia! - comentou o irmão mágico - Acho que já sei: Serei uma bela vaca leiteira!

E assim foi. Na manhã seguinte, lá estava o irmão mais novo levando uma falsa vaca leiteira pela corda.

Quando chegaram á feira, um desconhecido se aproximou e perguntou quanto o rapaz queria pela "vaca". Depois de uma boa negociação, o sujeito aceitou pagar um grande saco cheio de moedas de ouro em troca do animal. Depois disso, o novo comprador se pôs a levar a suposta vaca para sua fazenda enquanto o jovem voltava para casa, feliz da vida, com o dinheiro ganho.

Enquanto rumavam para a fazenda do desconhecido, o irmão mágico transformou seu casco dianteiro em garras afiadas, cortou a corda que o prendia e fugiu para o mato próximo. Mas o que ele não sabia era que o fazendeiro que o comprara dessa vez possuía o mesmo poder que ele.

- Mas o quê?! - gritou o estranho, furioso ao perceber que havia sido enganado - Esse vigarista miserável deve ter ganho esse poder com aquele velho feiticeiro também! Ora, ele vai aprender uma boa lição hoje!

Dito isso, o homem assumiu a forma de um leão e, rosnando de ódio, foi atrás do jovem transformado em vaca.

Este, ao perceber o que estava acontecendo, entrou em pânico:
- Santo Deus! - ele pensou, ao ver o enorme leão se aproximando com os dentes arreganhados - Pensei que apenas eu tivesse recebido este poder mágico! Preciso achar um jeito de despistar este sujeito!

Quando o leão já estava quase o alcançando, o rapaz assumiu a forma de um pássaro e voou o mais alto que pôde. Ao ver isso, o homem-leão subitamente assumiu a forma de um gavião e continuou perseguindo o inimigo.

Os dois sobrevoaram toda a região numa caçada desesperadora. Quando o gavião estava quase colocando as garras no pássaro, este viu um rio metros abaixo, assumiu a forma de um peixe e mergulhou na água a fim de fugir. Ao ver aquilo, o homem-gavião assumiu a forma de uma lontra e mergulhou também no rio, a procura do peixe.

Minutos depois, os dois chegaram a uma cachoeira em que o rio desaguava. Antes que pudesse ser levado por ela, o rapaz-peixe deu um salto para fora da água e assumiu a forma de um rato, tentando desaparecer na relva. O homem-lontra, porém, notou o truque e assumiu a forma de um gato, que saiu à caça do roedor.

Não conseguindo despistar seu predador, o rapaz-rato viu uma cabana ao longe e correu em direção a ela. Chegando lá, viu um buraco na parede e resolveu entrar por ele para se esconder na cabana.

Quando adentrou o recinto, o roedor já suspirava aliviado quando uma voz familiar chamou sua atenção:
- Ei, você, seu ratinho! Essa sua aparência não me engana! Posso sentir que sua verdadeira forma não é essa!

Assustado, o vigarista olhou para de onde a voz vinha e viu o mesmo velho mago que lhe dera seus poderes. No desespero da fuga, havia entrado, sem querer, na casa dele.

Antes que o jovem roedor pudesse escapar, o ancião estalou os dedos e, num passe de mágica, o fez voltar à forma humana. Nesse momento, escutaram batidas à porta. O mago atendeu e deu de cara com o homem que comprara a "vaca".

- Então você era humano o tempo todo, não é? - indagou ele, zangado, ao ver o jovem assustado e desorientado no canto da sala.
- Mas o que é que está acontecendo aqui?! - questionou o bruxo, olhando para os dois homens.

Como resposta, o recém-chegado lhe explicou todo o ocorrido sem tirar os olhos fogosos do rapaz. Ao ouvir a história, o feiticeiro se virou para o jovem e disse:
- Quando lhe dei esse poder, pedi que fizesse bom uso dele, meu rapaz. Mas estou vendo que você o queria apenas para se aproveitar das pessoas. Portanto, eu revogo o seu encanto.

Tristonho e envergonhado, o rapazote logo percebeu que não possuía mais magia. Logo depois, o feiticeiro os enxotou do lugar.

Assim que se retiraram, o estranho sacou uma faca e a colocou no pescoço dele, dizendo:
- Escute aqui, desavergonhado: Você vai me levar até aquele seu cúmplice que me vendeu você e vai fazê-lo me devolver meu dinheiro, fui claro?!

Amedrontado, o garoto obedeceu e o levou até a casa onde morava com o irmão. Chegando lá, teve de pedir de volta todo o dinheiro tomado do homem, que apenas pegou sua fortuna e foi embora sem dizer mais nada.

Daquele dia em diante, os dois irmãos tiveram de trabalhar duro para se sustentarem e nunca mais aplicaram golpes em ninguém.

                                   FIM