ANO DO CARNEIRO

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Não havia nenhum motivo para conversar. Nada havia sido descoberto. Nenhuma novidade no ar. Apenas um corpo, apenas um crime, apenas um lugar para ir. Paulicéia.

Onde cada corpo era um tijolo em cima da carreira do inspetor da polícia civil Carlos Olavo Pimentel, o homem que não tinha tempo, nem motivos, para rimas. Cada cadáver que era exposto naquele bairro, também expunha uma ferida, também expunha uma verdade: Pimentel era uma fraude. Uma pessoa que foi esperta durante a maior parte da sua vida profissional; que havia feito um certo nome nos meios policiais, e principalmente entre os investigadores. Aqueles que antes o tratavam com respeito, e até uma certa admiração, agora o tratavam com descaso. Não era impossível você ouvir alguém comentar que um, ou dois, dos casos mais famosos do seu currículo, haviam sido construídos por ele. Que talvez ele mesmo tenho plantado, ou desaparecido, com algumas evidências, tornando a solução de alguns dos crimes que investigava, algo realmente digno de um gênio. "Gênio". Quem, algum dia já tinha levantado um copo, e brindado a ele, dizendo essa palavra... agora a repetia, com desgosto, com lábios torcidos, um pouco antes de cuspir no chão. Pimentel havia passado de "promessa" para "escroto". De "gênio" para "incapaz".

Era nisso tudo que Pimentel estava pensando, enquanto a sua viatura entrava novamente naquele bairro.

Por mais que tivesse outras coisas para pensar, e logo teria muito mais; ele não conseguia se esquecer do que havia acontecido hoje cedo. Do olhar do delegado novo. Dos estudantes de jornalismo que invadiram a delegacia, com informações que nem ele mesmo tinha, querendo uma entrevista, uma foto, e certeza de que ele pegaria o "matador de velhinhos", ou qual era o outro nome que estavam querendo usar? "Jack, o geriátrico". Tinha outro também, que conseguia ser pior que todos...

Pimentel não era capaz de afirmar de ter dormido. Na sua cabeça ainda se passavam aquelas cenas: dele mastigando tic-tacs, porque não havia conseguido se manter na sua própria casa, nem para escovar os dentes, nem para procurar uma camisa limpa; aqueles três jovens, com esperança nos olhos, com ímpeto, e celulares indiscretos; aquelas perguntas sobre qual era o índice de rapto em asilos, o quão comum era matar idosos com requintes de crueldade, e porque o assassino havia deixado as duas metades do corpo na mesma rua onde antes o velhinho morava... Tudo aquilo realmente havia pego o inspetor de surpresa.

Claro que com toda a sua prática, Pimentel havia conseguido se manter educado, gentil, e até mesmo parecer solícito, mesmo sem responder nada. Ao invés disso, com sua experiência e seu jogo de conversa, conseguiu, na verdade, algumas respostas. Tais como:

"– Me ligaram."

"– Asilo Solzinho. Ele foi o primeiro a sumir de lá. A dona está contratando segurança terceirizada e colocando a conta na mão dos familiares..."

"– Número bloqueado. Igual quando ligam da cadeia."

"– Bem coisa de livro mesmo. Ou de série. Série Polonesa. Diferentona."

"– Uma ligação só."

"– Não, acho que não tem ninguém daquele bairro na nossa turma."

"– De São Bernardo só tem eu. O resto aqui é de longe."

Pimentel esperou as piadas sobre serem caipiras, morar no mato, na borda do Campo, e as vaias íntimas acabarem.

Deixou claro, e com um sorriso cinematográfico, que ele mesmo entraria em contato. E logo em seguida, aconteceu aquilo que vai retirar três ou quatro horas do seu sono na madrugada de hoje:

"– Podemos tirar uma foto?"

Ele nem pôde acreditar. Havia esperando quantos anos por aquele momento? Havia ensaiado quantas poses? Qual era mesma a sua última preferida? Era uma sentada, agora precisava de uma em pé, e não havia uma parede próximo para poder se apoiar, e não era mais charmoso agora pegar um cigarro, e droga, estava sem um chapéu, e aquela luz ali não era a que ele queri...

Mau SúbitoOnde histórias criam vida. Descubra agora