Thomas, Charlie e pais.

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Alguns anos depois,

Thomas já tinha quinze anos e tudo continuava basicamente na mesma, nos fins de semana, Richard permanecia sentado em sua poltrona, segurando o controle da TV na mão esquerda e um copo contendo um líquido amarelado, no outro. Se o pequeno garoto pudesse listar as coisas que mudaram, o comportamento de seu pai seria o primeiro: ele bebia, muito mais do que antes; não trabalhava mais, a empresa que o abrigava no centro, o despediu, provavelmente para "cortes de gastos"; mas Thomas duvidava disso, pois foi tudo muito abrupto; e, para a cereja do bolo, o seu pai se tornou mais frio, mais grosso e mais triste. Ele não sorria mais, e, quando o fazia, Thomas sabia que ele estava fazendo-o contra sua vontade.

Mas tudo isso era detalhes, não é mesmo? Thomas continuava bem, quer dizer, ele cresceu mais, assim como o seu melhor amigo, Charlie, mas a amizade de anos atrás, pareceu se intensificar e melhorar a cada dia. E aquilo, querendo ou não, era o que mantinha Thomas genuinamente feliz. Ele não sabia com certeza se o contrário era verdadeiro, mas podia jurar que sim, pois ele conhecia Charlie bem demais, agora, até mais do que seu próprio pai.

E, naquele dia em específico, Thomas estava saindo de casa para encontrar com Charlie, Rose disse algo antes do garoto sair, como "Você está levando dinheiro, querido?", Thomas não ouviu direito, mas apenas concordou com a cabeça e gemeu um pouco, levava uma mochila nas costas e aquela bússola de ouro-falso no bolso esquerdo. "E quanto você tem aí?" Thomas deu de ombros, provavelmente irritado. Queria ir embora logo. "Sei lá, umas vinte pratas." Sua mãe sorriu da porta da cozinha e o telefone começou a berrar como uma cabra recém-nascida.

O ambiente, antes levemente calmo, sendo perturbado apenas pelo som da TV de Richard, se tornou levemente infernal. Richard gemeu e Rose gritou: "Dê mais vinte para ele, Richard!". Taí mais uma coisa que mudou: sua mãe não chamava mais o seu pai por "amor" ou "querido", era apenas o seu nome e pronto, nada mais. Richard gemeu mais uma vez e mais alto, começou a dizer que como era chato não poder ver TV em paz e como só queria descansar um pouco, Rose gritou novamente da cozinha, dessa vez dizendo que como era ruim ele ficar o dia todo em casa, morgando e prostrando.

Thomas consertou a mochila nas costas e se aproximou por trás da poltrona. Seu pai não disse nada, apenas tirou uma nota de sua carteira e a estendeu para trás. Talvez ele tenha dito "Eu quero troco", ou "Boa caminhada", mas Thomas não conseguiu ouvir bem, seu pai não falava tanto quanto antes e, se falava, era para reclamar ou dizer algo para dentro, que só apenas ele entendia ou tentava entender. Seu mundo interior havia se modificado, o garoto certamente conseguiu perceber isso.

Mas tudo isso era detalhes, não é? Thomas não conseguia dizer com precisão, mas, se tinha um problema, a melhor opção seria ignorá-lo, não?

Foi assim que ele saiu de casa o mais rápido possível, e, para seu espanto, Charlie estava bem ali, parado na varanda, com as mãos por dentro da calça e balançando o corpo levemente de um lado para o outro.

— Há quanto tempo taí? — Thomas fechou a porta com rapidez. O som infernal de dentro se abafou por completo.

— Uns dois minutos, Tommy — respondeu. — Eu te chamei, mas ninguém me ouviu. Então achei melhor ficar esperando.

— Tá bem. — Tommy se desvilhenciou e desceu os três degraus da varanda. — Vam'bora.

— Tá tudo bem?

O quê?

Tommy parecia absorto nos pensamentos ainda recentes, levantou a cabeça com pressa exagerada e o encarou com os olhos profundamente longes.

O Fim de TudoWhere stories live. Discover now