Epílogo - Cristina Mendes

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Na clínica, com acompanhamento de um psicólogo começou a lembrar-se de alguns momentos da sua vida que tinha escondido e analisou os vários acalcamentos que fez para não se magoar, mas a cada nova sessão, ela percebeu os erros que fez e sentia uma necessidade de pedir desculpas por tudo, especialmente ao ex-marido que maltratou durante anos e ao filho que nunca quis saber. Sentia-se uma porcaria de pessoa, e tinha vergonha de ter traído o marido e ter guardado segredo da mãe o que acontecia entre ela e o pai, sentia-se mal por nunca ter demonstrado amor ou qualquer vontade de ter uma relação com o próprio filho, sentia-se nojenta de não ter tido escrúpulos para chantagear tanta gente só porque não queria ser pobre.

Recordou-se do abuso do pai com 13 anos e de ter sido exposta a homens como se fosse mercadoria, e de nunca ter dito nada porque achava-se muito importante por despertar o desejo nos homens mais velhos. Recordou-se do primeiro filho que teve e dele ser fruto do abuso do próprio pai, do trauma de o ver morto e de não ser boa mulher porque não deu à luz um bebé saudável e vivo. Talvez por isso, nunca conseguiu explicar a falta de amor e sentimentos pelo próprio filho com o marido, porque não queria ligar-se e demonstrar amor, nunca o tinha recebido e tinha sobrevivido por isso, o seu filho também não precisava, especialmente, sendo ele fruto da traição. Recriminou-se pela traição ao ex-marido e pela crueldade com que o ofendeu sempre, só porque acreditava que ele era mais um homem que só iria deitar-se com ela para usá-la e mais nada.

Analisou os anos do seu casamento e percebeu que o Jorge nunca foi ignorante com ela e que ela o maltratou em vão, mas o medo de admitir que errou era complicado de lidar e levou tempo até ela conseguir aprender que as pessoas erram e ela não era má pessoa, apenas tinha errado. Mas, o sentimento de culpa pelo sofrimento causado, a revolta consigo própria porque nunca nada iria ser suficiente para desculpar o que fez e a necessidade de pedir perdão eram consumidores e estavam sempre lá. Ela queria pedir perdão, mas nada iria ser o suficiente para retribuir os anos de dor e de ingratidão, nada iria trazer de volta esses anos que poderiam ter sido diferentes e nada podia desculpar a ausência na educação e crescimento do Mateus.

Começou a escrever sobre o que sentia, explicava como tudo estava a ajudá-la e o que se lembrava, pediu perdão e tentou desculpar-se pelas atitudes inexplicáveis que teve. Há medida que ia escrevendo, tinha ainda mais vontade de contar o que aconteceu no passado e trazer para o papel tudo que sentia, tudo o que guardava e tentar salvar o que ainda desse para salvar. Escrever as cartas para o ex-marido e para o filho foi como um pedido de desculpas que ela precisava de dar para encontrar paz, sentia-se culpada pelo sofrimento desnecessário e queria explicar-se, libertou-se dos traumas e dos sentimentos confusos. Ao perceber o sofrimento das palavras que disse ao filho, percebeu que era um enorme peso no seu coração e esse peso não lhe daria paz e nunca encontraria forma de se desculpar o suficiente.

Nesse momento, a dor tornou-se demasiado grande e profunda, as lágrimas não ajudavam a libertar-se e repetia-se na sua cabeça a monstruosidade das suas palavras, via a imagem do seu filho em sofrimento e da sua incapacidade de a perdoar. De repente, já não fazia sentido ficar bem para sair da clínica porque não existia mais ninguém para ela lutar, já não tinha um marido porque o tinha maltratado, já não tinha um filho porque perdeu a guarda dele, já não tinha família porque fez questão de a afastar. A solidão tornou-se negra e dolorosa, o coração estava choroso e magoado, mas o pior era a perda de si mesma, apesar de já ter pedido a luta por ela mesma há muito tempo.

Ninguém sentia a falta dela nem precisava dela, ninguém iria esquecer o que ela fez nem conseguiriam dar-lhe uma oportunidade, e todos os dias, iria lembrar-se do sofrimento que causou, na vida que destruiu e nos seus erros. Naquele momento, percebeu que ninguém sentiria a sua falta e que se sumisse, estaria a trazer paz a todos, por isso, o suicídio foi a libertação do sofrimento, a libertação do filho do sofrimento e a procura de encontrar a paz e o amor que ela nunca encontrou.



"Os suicídas, mesmo os que planejam a morte, não querem se matar, mas matar a sua dor."

AUGUSTO CURY

O Amor e a Morte, vencem o mais forte (Edição Especial)Where stories live. Discover now