1 • Bad Dreams

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"Você quer um coração? Você não sabe o quão sortudo és por não ter um. Corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem."

"— Por que você sempre insiste em exagerar sobre tudo?

A voz conhecida de um rosto que me assombrará durante tanto tempo ressoava em minha mente, eu sabia onde estava, sabia o que estava por vir, mas mesmo que eu tentasse meu corpo parecia sentir a necessidade de me torturar.

— Só estou dizendo que devia ter me contado antes sobre isso!— tudo que eu conseguia pensar era sobre o quanto aquilo me enfurecia, hoje me esqueço do quão insignificante foi.

— Eu não queria que você se chateasse. — a frustração era transparente na voz dele, como se aquela discussão fosse sem fundamento na sua perspectiva.

— Talvez nunca deveríamos ter ficados juntos de qualquer maneira.— ele se virou pra mim e naquele momento eu soube o quanto havia o machucado. E então tudo aconteceu.

Luzes brilhantes me cegaram antes da dor vir, o barulho de aço e vidro se chocando era ensurdecedor e tudo parecia girar enquanto eu sentia um líquido viscoso escorrer pelo meu rosto, quando tudo pareceu acabar eu não conseguia mais sentir o movimento de minha perna direita a pressão sobre ela fazia parecer que ela simplesmente havia desaparecido. O painel do carro e todos os vidros haviam se quebrado, todo o meu corpo parecia doer, cada pequeno centímetro de pele queimava. Quando eu finalmente recuperei  totalmente a consciência, eu o senti, tão gelado como se o calor nunca tivesse passado pelo seu corpo, meus olhos se recusavam a olhar para ele, quando finalmente o fizeram, eu congelei, os olhos azuis, o azul mais lindo que eu já vira, fazendo até mesmo o céu parecer medíocre não tinham mais brilho algum e o rosto que eu amava tanto parecia irreconhecível sem o sorriso que ele sempre carregará. Eu gritei, o grito mais aterrorizante que já passara pela minha garganta fez tudo parecer mais real e a dor que atravessou meu peito quebrará cada pedaço da minha alma até não sobrar nada da pessoa de minutos atrás."

As luzes do quarto se acenderam quando Louise despertará mais uma vez com os gritos da amiga, um ano se passara desde  o incidente e os pesadelos pareciam cada vez mais frequentes, pesadelo na verdade, era sempre o mesmo e ele sempre acabava da mesma maneira pelo que a amiga a contara, não que ela falasse sobre isso, qualquer citação sobre o acidente fazia Marie ficar pálida-mais do que normalmente.

Louise se lembrava da noite em que tudo aconteceu, o celular a despertou no meio da madrugada e a voz apressada de um funcionário contara sobre tudo tão rápido que ela levará mais tempo para processar do que o necessário. Quando tudo chegou como um turbilhão ela se levantou e correu para o hospital o mais rápido que pôde, chegando lá aguardou horas intermináveis na sala de espera enquanto a amiga passava por uma cirurgia de emergência, pelo que fora informada o joelho de Marie fora extremamente danificado pelo painel do carro, seria muita sorte se conseguissem salvar a perna dela, mas ela nunca mais conseguiria dançar novamente. Privar uma bailarina da chance de dançar era como a impedir de respirar, Louise sabia o quanto a amiga amava a dança, fazia parte dela e era tão natural para ela que sempre se destacara entre os demais.

— Marie, acorde, Marie!— ela a sacudiu gentilmente.— É apenas um pesadelo querida!— Olhos pretos melancólicos a encararam e o rosto pálido coberto de suor emoldurado pelas madeixas negras que eram uma bagunça enorme depois de ela se revirar tanto na cama.

— Está tudo bem querida! — disse Louise enquanto abraçava a amiga. — Você não está lá, já passou, eu estou aqui com você.

Ela sentira o colo molhado pelas lágrimas que escorriam incessávelmente dos olhos da amiga.

— E-le se foi, Louise! Para sempre, e é tudo culpa minha! — Marie disse entre soluços.

Louise odiava vê-la daquela maneira, mal reconhecia a amiga pelo ano que se passou, as semanas que passou com ela no hospital, e os meses de consultas no fisioterapeuta vendo-a cada vez mais triste, desistindo cada vez mais do que um dia fora seu maior sonho. Louise foi a maior incentivadora da amiga quando uma empresa sul-coreana havia lhe feito uma proposta de emprego como coreógrafa de um grupo feminino.

— Você TEM que ir Marie! — ela gritou cheia de alegria no dia em que Marie a informou.— É uma grande oportunidade, não ouse recusar!

— Como eu vou viver em uma cidade nova, não, em um país totalmente novo, sozinha?— Ela disse, as vezes Louise se esquecia do quão sarcástica Marie podia ser.

Depois de muita insistência de todos os conhecidos das duas, principalmente de Louise, que insistia em preparar pratos tradicionalmente coreanos para as duas, o que nem sempre deu muito certo.

— Você está tentando me incentivar sobre o emprego, ou me traumatizar para sempre?— disse Marie com uma careta em mais um jantar preparado por Louise alguns meses atrás.

— Ah me dá um tempo!— disse Louise entre risadas.

— Ainda bem que você é uma ótima dançarina, porque se dependêssemos da sua carreira de chef, meu Deus, estaríamos morando na rua.— Marie disse com um sorriso irônico no rosto.

Louise sabia que a amiga começara a se sentir animada em relação a sua ida para a Coréia, até aprendera o básico sobre o idioma, e finalmente após tantos meses conseguia sorrir novamente. Marie não voltou a academia depois do acidente e o caos se instaurou na Royal Ballet após a perda da sua principal bailarina poucas semanas antes da principal apresentação do festival de inverno. Duas de suas bailarinas, na verdade, Louise não conseguiu comparecer aos ensaios quando a amiga mal conseguia sair da cama, e ficou ao seu lado durante todo o tempo.

— Shhh, vamos dormir porque amanhã você tem um voo bem cedo!— Louise disse sobre os cabelos da amiga, que já dormia profundamente com os olhos inchados.

A luz do sol bateu no rosto de Marie a despertando enquanto Louise dormia tranquilamente, bem, ela dormiria até se elas estivessem em um navio naufragando. Marie se levantou e após checar todas as coisas que levaria, duas vezes, ela se dirigiu ao banheiro para tomar seu último banho na Inglaterra. A cicatriz no joelho direito a lembrava constantemente do porque iria a outro país, com outra cultura, trabalhar com meninas que ela nem conhecia, ela não podia mais dançar, então ela treinaria outras pessoas, o que poderia dar errado?

The Sound Of The Dance | (Hwang Hyunjin)Where stories live. Discover now